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quarta-feira, 5 de março de 2008

Questões polêmicas acerca do artigo 518, § 1º, do CPC (súmula impeditiva de recurso) e do art. 515, § 3º, do CPC (extensão do efeito devolutivo da apelação)

Rafael Augusto Pollini

Na ampliação do efeito devolutivo da apelação, se presentes os requisitos legais, haverá limitação do duplo grau em prol da celeridade processual, podendo ocorrer "reformatio in peius".
RESUMO
O art. 518, § 1º do Código de Processo Civil (CPC), que trata da "súmula impeditiva de apelação", é um dispositivo que desperta muita polêmica acerca de sua constitucionalidade em meio aos juristas. Por isso,interessante questionamento é trazido para reflexão: diante de um caso hipotético de extinção do processo sem resolução do mérito, é interposto o recurso de apelação, seguindo-se duas situações distintas. Na primeira, em que a apelação é inadmitida por estar a sentença em conformidade com súmula do STJ, é possível constatar que o Tribunal pode dar provimento ao Agravo de Instrumento, sob o argumento de que a súmula do STJ invocada na sentença não deve ser prestigiada. Na segunda situação, em que a apelação é admitida e processada, o tribunal deverá examinar o mérito da causa, mesmo sem requerimento do autor, podendo pronunciar-se pela improcedência do pedido formulado pelo autor no momento do ajuizamento de sua demanda. Neste caso, observa-se que a regra do art. 515, § 3º do CPC acabará permitindo a reformatio in peius.
PALAVRAS-CHAVE: Apelação. Súmula impeditiva de apelação. Art. 515, § 3º do CPC. Reformatio in peius.
1. INTRODUÇÃO; 2. INAPLICABILIDADE DA "SÚMULA IMPEDITIVA DE APELAÇÃO" PARA SENTENÇAS TERMINATIVAS; 3. ART. 515, § 3º: DESNECESSIDADE DE REQUERIMENTO DO AUTOR PARA JULGAMENTO DO MÉRITO PELO TRIBUNAL E POSSIBILIDADE DE REFORMATIO IN PEIUS; 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO
No sistema processual civil brasileiro, é possível identificar questões intrigantes a partir de determinadas relações jurídicas concretas. Imagine-se, por exemplo, que em uma demanda judicial, após a fase postulatória e a realização de perícia, foi proferida sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, por considerar o réu parte ilegítima para figurar no pólo passivo. O autor/apelante interpõe recurso de Apelação, e o juiz de 1º grau, por sua vez, deixa de receber o citado recurso sob o argumento de que a sentença está em conformidade com súmula do STJ (art. 518, § 1º) quanto à ilegitimidade passiva do réu.
Neste caso, pois, considerem-se duas indagações peculiares: 1) o Tribunal pode dar provimento ao Agravo de Instrumento, sob o argumento de que a súmula do STJ invocada na sentença não deve ser prestigiada?; e 2) se for processada a Apelação, é possível ao Tribunal julgar desde logo o mérito da causa, mesmo sem requerimento do autor? Em caso positivo, o julgamento poderá ser de improcedência do pedido ou isso representaria reformatio in peius?

2. INAPLICABILIDADE DA "SÚMULA IMPEDITIVA DE APELAÇÃO" PARA SENTENÇAS TERMINATIVAS
No concernente ao primeiro questionamento, é possível afirmar que o Tribunal deve dar provimento ao Agravo de Instrumento, ao argumento de que a súmula do STJ invocada na sentença não deve ser prestigiada, porquanto em se tratando de extinção do processo sem resolução do mérito, não haverá incidência do instituto da "súmula impeditiva de recursos" previsto no art. 518, § 1º do CPC.
Ao tomar como ponto de partida o fato de que o objeto do recurso de Apelação interposto, diz respeito à súmula do STJ que versa sobre ilegitimidade passiva do réu, ou seja, súmula de conteúdo não material, inaplicável será o dispositivo ora citado, o qual somente será utilizado para questões relativas ao juízo de mérito do recurso, em que se tenha, portanto, a existência de uma sentença de procedência ou improcedência do pedido.
Para ilustrar, eis os ensinamentos de Antônio Claúdio da Costa Machado:
Observe-se, entrementes, que apenas as súmulas de conteúdo material (substancial) autorizam o não-recebimento, porque somente estas têm o condão de servir de fundamento direto a uma sentença de procedência ou improcedência do pedido (não importa se a natureza da matéria é constitucional, civil, comercial, tributária ou previdenciária, desde que trate de decisão sumulada de cunho não-processual). [01]
Não obstante, o apelante deverá trazer no bojo de seu recurso, discussão atinente à aplicação ou não da súmula que trata de questão processual, pois, assim, não existirá qualquer razão para se enveredar pelo não recebimento do recurso pelo fundamento do art. 518, § 1º. [02]
Diferente não é o entendimento de Fredie Didier Júnior, o qual defende a não aplicabilidade do art. 518, § 1º do CPC se o apelante discutir a incidência da súmula no caso concreto. Para o jurista, nesta hipótese, "o recorrente não discute a tese jurídica sumulada, mas, sim, se o caso se subsume à hipótese normativa consolidada pela jurisprudência". [03]
Também, adotando o mesmo pensamento, é o escólio de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
Quando o mérito da pretensão recursal for justamente a aplicação ou não da súmula – quer se trate de súmula sobre: a) admissibilidade de recurso; b) questão processual; c) questão material -, não incide a proibição contida na norma comentada, sendo vedado ao juiz indeferir o processamento da apelação. [04]
Ademais, consoante se depreende da doutrina e jurisprudência dos tribunais estaduais, faz-se mister destacar que a aplicação do dispositivo em comento constitui mera faculdade do magistrado. [05]

3. ART. 515, § 3º: DESNECESSIDADE DE REQUERIMENTO DO AUTOR PARA JULGAMENTO DO MÉRITO PELO TRIBUNAL E POSSIBILIDADE DE REFORMATIO IN PEIUS
Para apresentar uma solução ao segundo questionamento, tem-se que, uma vez presentes os requisitos do art. 515, § 3º do CPC, quais sejam, causa em condições de imediato julgamento e matéria exclusivamente de direito, o tribunal possui o dever de, desde logo, examinar o mérito da causa, mesmo sem requerimento do autor.
O exame do mérito é atividade a ser desenvolvida ex officcio, que independe da vontade do apelante. Cabe ressaltar, porém, que caso o apelante fique silente, acarretará a devolução integral de sua pretensão material, ao passo que, se pretender limitar o âmbito de exame a parte do pedido, deverá manifestar-se expressamente.
Para compreender melhor, didática se mostra a lição de José Roberto dos Santos Bedaque:
Em síntese, a extensão do efeito devolutivo foi ampliada pelo § 3º do art. 515, devendo o tribunal aplicar de ofício a regra. O apelante não pode, sem razão plausível, simplesmente impedir a incidência do dispositivo. Se presentes os requisitos legais, os autos não retornarão mais à origem. Se ele, ciente da nova sistemática, quiser limitar o âmbito da devolutividade a apenas parte da pretensão deduzida em 1º grau, deverá fazê-lo expressamente. [06]
Em prosseguimento, se o Tribunal entender que o apelante está destituído de razão, decidirá pela improcedência do pedido, o que acarretará na piora de sua situação. Isto implica concluir que a regra estabelecida pelo art. 515, § 3º, do CPC permite a reformatio in peius. Para entender melhor a possibilidade da existência dereformatio in peius na hipótese em exame, Alexandre Freitas Câmara ensina que "esta reformatio in peius é absolutamente legítima, já que o tribunal nada mais estará fazendo do que emitir desde logo um pronunciamento sobre o mérito que, depois, seria emitido de qualquer modo". [07] E explica:
Tudo o que se tem aqui é uma aceleração do resultado do processo, já que ao mesmo resultado prático se chegaria (embora com menos rapidez) se o tribunal determinasse a baixa dos autos ao juízo de origem para que ali se proferisse julgamento sobre o mérito, vindo depois os autos novamente ao tribunal, por força de apelação interposta pelo vencido, para que então se pronunciasse sobre o objeto do processo. [08]
Assim, nas palavras de Bedaque, em prol da celeridade, "o sistema processual brasileiro passou a admitir, ainda que em caráter excepcional, a reformatio in peius". [09]

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por conseguinte, diante das questões propostas, infere-se que o Tribunal poderá dar provimento ao Agravo de Instrumento para, reformando a decisão recorrida, determinar o regular processamento da Apelação, utilizando-se do fundamento de que a súmula do STJ invocada na sentença não tem incidência no caso concreto, sob pena de violação do princípio da ampla defesa.
Na hipótese da aplicação de ofício do § 3º do art. 515, em que se tem a ampliação do âmbito da extensão do efeito devolutivo da apelação, se presentes os requisitos legais, haverá uma limitação do duplo grau em prol da celeridade processual, podendo ocorrer a reformatio in peius.

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Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm