“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

quinta-feira, 5 de junho de 2008

A GRATUIDADE DOS EMOLUMENTOS DECORRENTES DE ATOS REGISTRAIS E NOTARIAIS

Apesar de a Lei já existir, fui prejudicada pois vi negado pelo Judiciário o pedido de registro gratuito e, na época, eu não tinha dinheiro para fazê-lo.

A "Balança" ficou em desequilíbrio.


“MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO DA CORREGEDORIA DE JUSTIÇA QUE ESTENDE AOS BENEFICIÁRIOS DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA (LEI Nº 1.060/50) A GRATUIDADE DOS EMOLUMENTOS DECORRENTES DE ATOS REGISTRAIS E NOTARIAIS”.
A Corregedoria-Geral da Justiça, dando cumprimento ao disposto no art. 38, da Lei nº 8.935/94, levou a efeito o Provimento CGJ nº 38/2007, estendendo aos beneficiários da gratuidade da justiça a gratuidade dos serviços notariais e registrais, quando emanados de ordem judicial nos próprios autos do processo em que o requerente litiga sob o manto da gratuidade prevista na Lei nº 1.060/50.
Não há confundir a justiça gratuita prevista na Lei nº 1.060/50 com a assistência jurídica integral e gratuita, prevista no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. E, ainda, com a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, como dispõe o inciso LXXVII do art. 5º.
Cognição que envolve ingresso em questões conceituais e exame exegético não só Constitucional como infraconstitucional.
O direito constitucional previsto no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal – assistência jurídica integral e gratuita – a ser prestada pelo Estado aos necessitados (prestação positiva do Estado) se revela através da Defensoria Pública, tal qual referido no art. 134, da própria Constituição Federal.
O direito constitucional inserto no inciso LXXIV do art. 5º, muito mais abrangente, diz com a assistência jurídica integral e gratuita que é pré-processual, e não com a justiça gratuita processual, esta prevista na Lei nº 1.060/50.
A intenção do Provimento nº 038/2007 é, além de dar efetividade à prestação jurisdicional, tornar efetivo o acesso à justiça, daí compreendidos não apenas os atos processuais, mas também os atos extraprocessuais decorrentes da lide onde a parte goze do benefício da gratuidade da justiça (Lei nº 1.060/50).
De nada adiantaria reconhecer que a parte requerente não tem condições de suportar as despesas processuais sem prejudicar o seu sustento e de sua família, mas entender que possa suportar despesas extraprocessuais, mas emanadas daquele processo em que litiga sob o manto da justiça gratuita, ou seja, onde seu estado de miserabilidade fora reconhecido. Vale dizer, o cidadão é reconhecidamente pobre para arcar com despesas existentes dentro do processo – despesas de cunho judicial – mas não o é para arcar com despesas que, embora decorrentes daquela ação, tem natureza extraprocessual, exatamente como os serviços registrais e notariais. A hipossuficiência não se limita tão-só aos atos processuais, indo, certamente além desse para que a efetividade do processo se faça cumprida na forma constitucional.
Estar-se-á prestando jurisdição apenas modo formal, e não material, negando ao cidadão o acesso à justiça (art. 5º, XXXV) modo efetivo e integral, pois terá ele o direito de litigar em juízo (terá acesso ao judiciário), mas, ao final, não lhe será alcançado o direito de efetivar a jurisdição. O seu direito permanecerá no mundo fático-processual, mas ilusório sobre a ótica jurídica e constitucional para fins de aplicação do direito e realização da justiça. Terá sido alcançado ao cidadão o direito/garantia constitucional do acesso à justiça modo formal, mas não lhe terá sido alcançada a justiça modo substancial.
Serviços cartorários – registral e notarial – que são de natureza pública, não obstante hibridismo privatista por delegação do Poder Público (art. 236, da Constituição Federal).
Segurança denegada.

MANDADO DE SEGURANÇA  
PRIMEIRO GRUPO CÍVEL
Nº 70023837248            COMARCA DE PORTO ALEGRE
COLEGIO REGISTRAL DO RIO GRANDE DO SUL - IMPETRANTE
SINDICATO DOS REGISTRADORES
PUBLICOS DO RS SINDIREGIS  -         IMPETRANTE
EXMO SR DES CORREGEDOR  GERAL DA JUSTICA  -COATOR
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL  - INTERESSADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Primeiro Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em denegar a segurança.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Arno Werlang (Presidente), Des. Irineu Mariani, Des. Roque Joaquim Volkweiss, Des. Luiz Felipe Silveira Difini e Des. Jorge Maraschin dos Santos.
Porto Alegre, 06 de junho de 2008.
DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL, Relator.
RELATÓRIO
Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal (RELATOR)
Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo COLÉGIO REGISTRAL DO RIO GRANDE DO SUL e pelo SINDICATO DOS REGISTRADORES PÚBLICOS DO Estado do Rio Grande do Sul – SINDIREGIS, em que figura como autoridade coatora o EXMO SR. DES. CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA.
Dizem as impetrantes que têm por finalidade institucional a defesa dos interesses de seus associados, delegatários de funções registrais. Sustentam que o presente mandado de segurança coletivo tem base legal no art. 5º, LXX, B, da Constituição Federal e Súmulas 629 e 630, do Supremo Tribunal Federal. Referem que a Corregedoria da Justiça, adotando parecer nº 82/2007 – SLA, através do Expediente SPI nº 21566-0300/06-1, determinou a extensão do benefício da gratuidade da justiça (equivocadamente chamado de assistência judiciária gratuita), uma vez concedida em processos judiciais, aos emolumentos devidos em face da prestação de serviços registrais e notariais. Aduzem que tal ato administrativo restou exteriorizado por meio do Provimento nº 038/2007 – CGJ, publicado em 08/01/08 no Diário de Justiça Eletrônico. Sustentam que foi feito pedido de reconsideração administrativamente, o que foi indeferido.
Discorrem sobre a inadequação jurídico-constitucional do Provimento nº 038/2007 – CGJ. Fazem a diferenciação entre assistência jurídica e gratuidade judiciária. Aduzem que o ato administrativo contra o qual se insurgem confunde nitidamente “assistência jurídica integral”, prevista no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, com “gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania”, previsto no inciso LXXVII do mesmo dispositivo de lei. Dizem que o legislador infraconstitucional, através da lei nº 9.265/96, definiu quais os atos necessários ao exercício da cidadania, e, dentre eles, não se encontra o ato administrativo ora combatido. Aduzem que a Corregedoria-Geral da Justiça equivoca-se quando, em nome do direito fundamental da assistência jurídica integral, estende o benefício da gratuidade da justiça previsto na Lei nº 1.060/50 aos emolumentos devidos em razão da atividade registral e notarial. Sustentam que não se pode estender um benefício de natureza “endoprocessual a atos extraprocessuais”. Discorrem sobre a adequada interpretação da Lei nº 9.265/96 e Lei nº 1.060/50. Falam sobre o princípio da legalidade administrativa e tributária.
Pedem, liminarmente, a suspensão do ato administrativo que estendeu o benefício da gratuidade da justiça aos atos extraprocessuais de natureza registral e notarial (Provimento nº 038/2007), bem assim que se abstenha a Corregedoria de dar início a qualquer expediente punitivo ou correcional contra os associados das entidades impetrantes pelo descumprimento do referido ato administrativo.
Pedem, ao final, a concessão da ordem, com a invalidade do Expediente SPI nº 21566-0300/06-1 e do Provimento nº 038/2007 – CGJ.
O mandado de segurança foi recebido e a liminar INDEFERIDA (fls. 153/154).
Foram prestadas informações (fls. 164/179).
O órgão do Ministério Público opinou pela denegação da ordem (fls. 205/215). É o relatório.
VOTOS
Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal (RELATOR)
Denego a ordem.
Dispõe o inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal que ‘conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou hábeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público’.
E também o art. 1º da lei nº 1.533/51: ‘conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por hábeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça’.
Com efeito, na doutrina de Hely Lopes Meirelles, direito líquido e certo “é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparado por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e de fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais”.[1]
E, segundo leciona Alexandre de Morais[2], “direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, ou seja, é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documentação inequívoca. Note-se que o direito é sempre líquido e certo. A caracterização de imprecisão e incerteza recai sobre os fatos que necessitam de comprovação. Importante notar que está englobada na conceituação de direito líquido e certo o fato que para tornar-se incontroverso necessite somente de adequada interpretação do direito, não havendo possibilidade de o juiz denegá-lo, sob o pretexto de tratar-se de questão de grande complexidade jurídica Assim, a impetração do mandado de segurança não pode fundamentar-se em simples conjecturas ou em alegações que dependam de dilação probatória incompatível com o procedimento do mandado de segurança”.
Tratando-se de mandado de segurança, portanto, a prova há vir pré-constituída, bastando-se, por si só, para a concessão da ordem, ou não. Se houver necessidade de instrução, de produção de provas, não se está diante de matéria a ser enfrentada por meio de writ.
No caso concreto, está-se, sim, diante de prova pré-constituída e, portanto, de hipótese em que cabível o mandado de segurança.
Todavia, em que pese cabível o manejo do mandado de segurança, se está diante de hipótese denegatória da ordem.
A Corregedoria-Geral da Justiça, dando cumprimento ao disposto no art. 38, da Lei nº 8.935/94, levou a efeito o Provimento CGJ nº 38/2007, estendendo aos beneficiários da gratuidade da justiça a gratuidade dos serviços notariais e registrais, quando emanados de ordem judicial nos próprios autos do processo em que o requerente litiga sob o manto da gratuidade prevista na Lei nº 1.060/50.
Vale dizer, o Provimento nº 038/2007 (fls. 105/110) – ato coator – embasado no Parecer 82/04-SLA (fls. 63/104), alcançou o benefício da gratuidade da justiça àqueles atos de natureza registral e notarial, desde que a parte requerente goze do benefício da Lei nº 1.060/50 na demanda judicial de onde emanaram tais atos.
Assim diz o art. 1º do Provimento nº 038/2007 (fl. 105):
“Art. 1º. O artigo 11 da CNNR, passa a ter a seguinte redação:
‘Art. 11 – Os Notários e Registradores têm direito a percepção dos emolumentos fixados no Regimento de Emolumentos do Estado, pelos atos praticados, e que serão pagos pelo interessado na forma da lei, exceto quando constar expressamente a dispensa em mandado ou certidão judicial, em razão do deferimento da Assistência Judiciária Gratuita.’”
Portanto, em gozando a parte requerente do benefício da gratuidade da justiça não serão devidos emolumentos pelos atos registrais e notariais praticados em decorrência da lide e emanados por força de ordem judicial.
Sopesada a natureza constitucional da matéria que se está a tratar, nada há de irregular no ato praticado pela autoridade coatora.
Assim dispõe o inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal – norma de eficácia plena, de aplicação imediata:
“LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.”
Imperioso destacar a lição de Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição, Saraiva, 2º vol., pág. 376) no sentido de que – citando Pontes de Miranda – há confusão conceitual entre os termos técnico-jurídicos entre os vocábulos justiça gratuita e assistência judiciária e para desfazer o equívoco diz que não são a mesma coisa.  O benefício da justiça gratuita é direito à dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o juiz que promete a prestação jurisdicional. A Assistência Judiciária é organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória  das despesas, a indicação de advogado (hoje Defensoria Pública).  Mas não é só isto.  Dispõe também o inc.  LXXVII, do art. 5º, da Constituição Federal que são gratuitos – além das ações que especifica, habeas corpus e habeas data – e, diz a Constituição, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.  A meu sentir, não há como se pretender o que se busca nesta ação constitucional, por absoluta ausência de sustentação constitucional para tanto. 
Então, para o exercício dos direitos políticos e sobretudo sociais (cidadania), se inclui no direito à gratuidade da justiça também os atos que se devem praticar após o esgotamento da via judicial para que se cumpra o julgado e realize o direito do pobre, modo à realização da justiça plena e a eficácia do processo como sua efetividade constitucional.
Com efeito, então, ao contrário do que referem os impetrantes, não há confundir a justiça gratuita prevista na Lei nº 1.060/50 com a assistência jurídica integral e gratuita, prevista no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal, tal qual cima transcrita. E, ainda com a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, como dispõe o inciso LXXVII do art. 5º (certidão de óbito, de nascimento, etc.).
O direito constitucional previsto no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal – assistência jurídica integral e gratuita – a ser prestada pelo Estado aos necessitados (prestação positiva do Estado) se revela através da Defensoria Pública, tal qual referido no art. 134, da própria Constituição Federal, que diz que “A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”
Portanto, o direito constitucional inserto no inciso LXXIV do art. 5º, muito mais abrangente, diz com a assistência jurídica integral e gratuita, e não com a justiça gratuita, esta prevista na Lei nº 1.060/50.
Tal distinção, aliás, foi muito bem traçado pelo eminente Colega, Desembargador Arno Werlang, nos autos da Apelação Cível nº 70 000 556 910, onde, do corpo do acórdão, se extrai:
“No mais, faz-se necessário salientar que há distinção entre a Justiça Gratuita (Benefício de Gratuidade Processual) e a Assistência Judiciária Gratuita. Na Justiça Gratuita, a parte, embasando-se na Lei Federal n.º 1060/50, já com advogado constituído, requer ao Juiz, ainda que provisoriamente, o favor de litigar isenta do pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios. De outra banda, na Assistência Judiciária Gratuita, concede-se ao cidadão, saliente-se, ainda não parte, com fulcro no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1988, além das isenções acima mencionadas de maneira definitiva, o direito a um advogado, prestigiando o exercício do direito de cidadania, isto é, trata-se de se permitir o alcance ao Poder Judiciário através de uma organização estatal. Para fazer-se mão deste último instituto (Assistência Judiciária Gratuita), necessária é a comprovação da insuficiência de recursos, como expressamente colocado pela Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso LXXIV.
Na prática, ainda que se tratem de dois institutos distintos, as expressões Justiça Gratuita e Assistência Judiciária Gratuita não são utilizadas tecnicamente. Refere-se a Justiça Gratuita, quando na verdade visou-se a Assistência Judiciária Gratuita, e vice-versa. Todavia, não se deve confundi-las.”
De toda a sorte, traçada a distinção, não resta dúvida no sentido de que a intenção do Provimento ora atacado é, além de dar efetividade à prestação jurisdicional, tornar efetivo o acesso à justiça, daí compreendidos não apenas os atos processuais, mas também os atos extraprocessuais decorrentes da lide onde a parte goze do benefício da gratuidade da justiça (Lei nº 1.060/50).
Mas com certeza, não só isso.  O que é mais importante para tudo o que foi dito acima se realizar, dar cumprimento a mandamento constitucional é do que se trata e do que tratou o ato que se entende ilegal.  Não o é absolutamente em face das disposições constitucionais que regem a espécie.
Com efeito, por certo, de nada adiantaria reconhecer que a parte requerente não tem condições de suportar as despesas processuais sem prejudicar o seu sustento e de sua família, mas entender que possa suportar despesas extraprocessuais (ou extrajudiciais), mas emanadas daquele processo em que litiga sob o manto da justiça gratuita, ou seja, onde seu estado de miserabilidade fora reconhecido. Vale dizer, o cidadão é reconhecidamente pobre para arcar com despesas existentes dentro do processo – despesas de cunho judicial – mas não o é para arcar com despesas que, embora decorrentes daquela ação, tem natureza extraprocessual (extrajudicial), exatamente como os serviços registrais e notariais.
Estar-se-á, assim, prestando jurisdição apenas modo formal e aparente, e não material e realmente, efetivamente. Estar-se-á negando ao cidadão o direito constitucional de acesso à justiça (art. 5º, XXXV) modo efetivo e integral, pois terá ele o direito de litigar em juízo (terá acesso ao judiciário), seja porque representado pela Defensoria Pública e, logo, lhe fora concedida a justiça gratuita, ou, representado por advogado particular, lhe fora alcançado o benefício da Lei nº 1.060/50, mas, ao final, não lhe será alcançado o direito de efetivar a jurisdição. O seu direito permanecerá no mundo fático, ilusório sob o prisma da efetividade do direito material que lhe fora reconhecido pelo Poder Judiciário (tutela). Terá sido alcançado ao cidadão direito/garantia constitucional de acesso à justiça modo meramente formal e até exclusivamente ficto; mas não lhe terá sido alcançada a justiça modo substancial.
E isto porque, quando pretendesse tornar eficaz o direito reconhecido em juízo, não teria condições pecuniárias, econômicas para realizar o seu direito reconhecido pelo Poder Judiciário.  E isto equivaleria a não ter acesso à efetividade do processo. 
Veja-se, e.g., um caso de usucapião em que o autor tivesse reconhecido seu direito em juízo, mas não tendo condições econômicas para suportar o registro de seu título – sentença – perante o registro de imóveis, continuaria sem reconhecimento perante o ofício registrador por insuficiência de recursos que a Lei nº 1.060/50 e a Constituição Federal autorizam a realizar como forma de efetividade do processo.  Se assim não for, não se realizará justiça nenhuma, ou se pretende dar somente uma aparência de justiça.  É o que não quer constitucionalmente a autoridade coatora.
Em outras palavras, será alcançado ao cidadão o direito, mas tal não se efetivará se dele depender ato notarial ou registral, em que tenha que pagar emolumentos, mormente quando não tem o cidadão recursos financeiros para fazê-lo, e, embora lhe tenha sido alcançado o benefício da gratuidade da justiça (Lei nº 1.060/50), não lhe foi dado o direito de não pagar despesas cartorárias, de modo que, em não possuindo recursos, não terá como tornar efetivo o direito que lhe foi assegurado judicialmente.
Isto é, seu direito só poderá ser reconhecido dentro do Foro, fora dele não por motivações inconfessáveis, ou nem tanto.
Não se pode desconhecer que, como bem refere o douto Procurador de Justiça com assento nesta Corte, Dr. José Barroco de Vasconcellos, “a certidão, averbação ou registro nada mais é do que uma extensão do julgado no qual foi concedido o benefício da assistência judiciária gratuita”.
Não fosse isso, o Provimento nº 038/2007 veio, na verdade, solidificar o entendimento que vem sendo adotado pela esmagadora jurisprudência dos pretórios, quanto à extensão da gratuidade da justiça aos atos extraprocessuais, mas decorrentes do processo, tais como o pagamento de emolumentos para a averbação, registro, etc.
Nesse sentido, transcrevo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. EMOLUMENTOS DE SERVIÇOS EXTRAJUDICIAIS. EXTENSÃO. INTERPRETAÇÃO DA NORMA. O benefício da gratuidade judiciária deve compreender também os emolumentos de serviços extrajudiciais, mormente quando necessário para concretizar o direito. Agravo monocraticamente provido. (Agravo de Instrumento Nº 70023517634, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 20/03/2008)
REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. EXTENSÃO AO OFÍCIO EXTRAJUDICIAL. AVERBAÇÃO DE SENTENÇA NO REGISTRO DE IMÓVEIS. ISENÇÃO DE TAXAS. O benefício da AJG, deferido em ação judicial, estende a gratuidade também aos serviços extrajudiciais, ¿ut¿ interpretação do art. 3º, II da Lei 1.060/50, assegurando acesso ao Judiciário para as pessoas necessitadas. Eventual exigência de pagamento de taxa para que seja averbada a sentença de procedência de ação de usucapião junto à matrícula do imóvel retiraria a eficácia da decisão e, assim, violaria o acesso à justiça, assegurado pelo art. 5º, XXXv da Constituição Federal, razão pela qual se impõe a concessão de segurança caso interposto o writ. Precedentes. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Reexame Necessário Nº 70015868730, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 14/09/2006)
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. REGISTRO DA PENHORA. A concessão da Assistência Judiciária Gratuita abarca os atos de registro da penhora, porquanto essa é obrigatória para produzir efeitos contra terceiros. Logo, é ato que integra a própria garantia. Destarte, negar a extensão da gratuidade aos ofícios extrajudiciais, implicaria numa restrição ao direito do beneficiado, in casu, os ora agravantes. Precedente do STJ. Consolidação Normativa Notarial, art. 361, §2º. Agravo provido. (Agravo de Instrumento Nº 70008694135, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Lúcio Merg, Julgado em 26/08/2004)
Ademais, apenas como mais um argumento, o próprio inciso II do art. 3º da Lei nº 1.060/50, ao tratar da abrangência da gratuidade, fala nos “emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça .
Segundo o COJE (Lei nº 7.356/80), os titulares de ofícios extrajudiciais são serventuários da justiça.
Todavia, é verdade, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 236 fala que “os serviços notariais e de registros são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
Num primeiro momento, numa análise perfunctória, poder-se-ia entender que tal dispositivo tenha tido o condão de afastar a natureza pública dos atos práticos pelos cartórios. Contudo, não se pode negar que, em que pese a Constituição Federal tenha reconhecido como de natureza privada a atividade de que se fala, está-se diante, e disso não tenho dúvida alguma, de exercício de atividade pública, decorrente de poder delegado. A natureza do ato, não se tem como dizer diferente, é pública.
Nessa linha, as palavras de José Afonso da Silva[3]:
“É fora de qualquer dúvida que as serventias notariais e registrais exercem função pública. Sua atividade é de natureza pública, tanto quanto o são as de telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica, de navegação aérea e aeroespacial e de transportes, consoante estatui a Constituição (art. 21, XI e XII). A distinção que se pode fazer consiste no fato de que os últimos são serviços públicos de ordem material, fruível diretamente pelos administrados, enquanto os prestados pelas serventias do foro extrajudicial são serviços de ordem pública, mediante a qual o Estado intervém em atos ou negócios da vida privada para conferir-lhes certeza, eficácia e segurança jurídica; por isso, sua prestação indireta configura delegação de função ou ofício público, e não concessão ou permissão, como ocorre nas hipóteses de prestação indireta de serviços materiais (...).”
Com efeito, como se disse, os serviços registrais e notariais se dão por delegação do Poder Público, sendo o oficial tabelião/registrador, portanto, um servidor público. É a própria Constituição Federal que determina: “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público” (art. 236).
Não há o que se discutir em face da clareza do direito.
Assim referiu a Corte Suprema:
Serventias extrajudiciais – a atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de Direito Público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada “em caráter privado, por delegação do poder público” (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. – As serventias extrajudiciais, instituídas pelo poder público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas “a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos” (lei n. 8935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o estado, como típicos servidores públicos.”
(STF. MC na ADIN 1378/ES. Tribunal Pleno. Rel. Min. Celso de Mello, julgada em 30/11/95, publicada em 30/05/97).
Inexistência de óbice a que o Estado preste serviço público a título gratuito. A atividade que desenvolvem os titulares das serventias, mediante delegação, e a relação que estabelecem com o particular são de ordem pública. Os emolumentos são taxas remuneratórias de serviços públicos.
(STF. MC na ADC 5/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Nelson Jobim, julgada em 17/11/99, publicada em 19/09/03).
Além de tudo isso, em assim não sendo, não se dará efetividade ao devido processo legal insculpido, ainda, no art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal.  Com isso se está a demonstrar que é de razoabilidade abissal a posição que se adota e de justiça plena é do que se fala, não meramente aparente e parcial.  E mais, alcançar a gratuidade do benefício os atos que se destinam a realizar o direito junto a notários e registradores é um imperativo categórico necessário como garantia muito mais da jurisdição do que da parte até.
Por isso impositivo lembrar que é necessário ver – como o deve ser e o é para os tratadistas mais modernos – no “devido processo legal” mais do que uma garantia subjetiva do indivíduo, mas também uma tutela do próprio processo.  E, no caso, em assim não sendo, o princípio fundamental da igualdade de todos perante a lei ficaria seriamente conspurcado porque os hipossuficientes nunca poderiam fazer valer seus direitos naquilo que dependesse, para tanto, de pagamento ao notário ou registrador, que não ficará mais pobre por isso, mas se fará presente a total falta de meios para a realização do direito daqueles.
Nessa evidenciação dos fatores situacionais delineados, o denegar a segurança é um imperativo categórico que se impõe, a meu sentir.
ISSO POSTO, denego a segurança, por um imperativo categórico de justiça.
Custas pelos impetrantes. Sem honorários, em face das Súmulas nº 105, do Superior Tribunal de Justiça e 512, do Supremo Tribunal Federal. É o voto.
Des. Luiz Felipe Silveira Difini
Senhor Presidente, o tema envolve vários aspectos, que foram bem analisados na tribuna e no voto do eminente Relator.
Para resolver a questão, é fundamental concluir que, se há o benefício da assistência judiciária, ele não pode ser restrito a alguns operadores. Não podem estar alguns sujeitos a prestar o serviço gratuitamente, e outros não. Assistência judiciária ou é para tudo ou para nada. E pode ser imposta aos titulares de serviços notariais e de registro essa obrigação, que não vem do Provimento da Corregedoria, mas da lei federal, que cria o benefício da assistência judiciária, assim como foi imposta por lei federal quanto aos atos do registro civil, aí com amplitude maior, porque não foi apenas para os reconhecidamente pobres. Então, parece-me que não há ilegalidade no ato do eminente Corregedor-Geral,  que, apenas dá interpretação razoável e garante aplicação isonômica dos encargos criados pela Lei Federal nº 1.060/50.
Creio que é muito pertinente a observação feita pelo eminente Procurador de Justiça de que o problema é a forma de  concessão do benefício. Quanto à forma de concessão do benefício, começo a verificar a consciência nesta Casa de que ele é concedido hoje de forma larga demais. Com a notória limitação de renda que tem a maioria da população deste País, 95% das causas postas em juízo têm assistência judiciária, e isso é preocupante.
Isso, há que rever. Não se pode, porém,  tornar alguns servidores imunes à assistência judiciária e outros obrigados, pois isso, a meu ver, afrontaria até um princípio basilar de direito: o da isonomia.
Nesses termos, eminente Presidente, estou acompanhando a conclusão do nobre Relator no sentido da denegação da segurança.
Des. Jorge Maraschin dos Santos - De acordo com o Relator.
Des. Arno Werlang (PRESIDENTE) – Também estou acompanhando o Relator.
DES. IRINEU MARIANI – Eminentes Colegas, adianto que estou acompanhando o eminente Relator.
Apenas em consideração ao debate que se estabelece em torno desta matéria, com a devida vênia, registro que não vejo maior fundamentação na impetração do mandado de segurança. Parece-me até que ele tangencia, pelo menos, um ato administrativo in abstracto, porque, na realidade, o que vai repercutir é a ordem judicial expedida nos autos em que foi concedida a assistência judiciária, e que se extrai daí uma ordem judicial para que o titular do Cartório extrajudicial pratique um ato. E a assistência judiciária, que é diferente da assistência jurídica – a assistência jurídica é mais ampla -, abrange também os extrajudiciais? Parece-me que sim, e está no art. 3º, inc. II, da Lei nº 1.060, quando fala das isenções dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público - que não existe mais há muitos anos, - e serventuários da Justiça.
Ora, serventuários da Justiça é um gênero no qual se incluem todas as espécies, inclusive serventuários do extrajudicial. Não fosse suficiente esse dispositivo, há mais: estive observando, na obra de Theotonio Negrão, Código de Processo Anotado, vários precedentes jurisprudenciais, de vários tribunais, entendendo que a assistência judiciária, tendo em conta esse dispositivo, abrange também os atos do extrajudicial. É mencionado um precedente referindo isenções derivadas; depois, isenção de certidão no Registro de Imóveis, isenção de custas e emolumentos pelo registro da penhora, e, por fim, isenção do registro da averbação da sentença de separação judicial.
Não fosse suficiente esse dispositivo, ainda temos o art. 9º, pelo qual os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio em todas as instâncias, ou seja,  aqueles atos derivados para que se possa efetivar aquilo que foi decidido no processo. Então, não há dúvida de que essa assistência se propaga para os atos ultraprocessuais. Não fica restrita, portanto, aos atos intraprocessuais ou endoprocessuais.
De sorte que acompanho o eminente Relator no sentido de denegar a segurança.
DES. ARNO WERLANG (PRESIDENTE) – Des. Irineu Mariani, acrescentaria que se incidissem as custas nestes casos, face a gratuidade da justiça deferida, teriam que fazê-lo do Estado, tal qual acontece na perícia.
DES. IRINEU MARIANI - Senhor Presidente, Vossa Excelência me fez lembrar de outro detalhe. Penso, sim, que estamos sendo muito permissivos em relação à concessão do benefício, como foi levantado pelo ilustre Procurador de Justiça. E vou mais longe: está-se concedendo assistência judiciária para pessoa jurídica. Já está bastante ampliado na própria jurisprudência e não apenas desta Corte.
Eu, particularmente, não tenho decidido dessa forma e tenho, sim, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, mediante prova da necessidade, porque aí não se aplica a presunção, concedido para a pessoa jurídica o instituto do diferimento, quer dizer, a postergação, nunca o benefício da assistência.
DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL (RELATOR)  – Senhor Presidente, peço licença para fazer um pequeno aparte. Eu não tenho essa preocupação tão acentuada, muito embora também me preocupe com isso. É que esse benefício é concedido e pode ser modificado a qualquer momento. Pode-se conceder, o processo ter um mero andamento e um despacho do Juiz, e logo em seguida se verificar que não é o caso de concessão e se modificar.
DES. IRINEU MARIANI – Mas nunca acontece a modificação.
DES. CARLOS ROBERTO LOFEGO CANÍBAL (RELATOR)  – É aí que eu iria chegar.  Por que não acontece? Porque, na maioria das vezes, ou a parte contrária não se preocupa em fazer essa prova - isso não vem aos autos - ou realmente a condição de miserabilidade é absoluta e irretorquível, e aí  temos a Constituição e a lei.
DES. ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS – Acompanho o eminente Relator.
DES. ARNO WERLANG - Presidente - Mandado de Segurança nº 70023837248, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, DENEGARAM A SEGURANÇA."
  

[1] Hely Lopes Meirelles in Mandado de Segurança, 20ª edição, Ed. Malheiros, São Paulo: 1998, p. 34/35.
[2] In Direito Constitucional, 13ª edição, Ed. Atlas, São Paulo:2003, fl. 166.

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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm