“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

domingo, 22 de maio de 2011

A intuição nas decisões judiciais

"Na seqüência temática, é de se ressaltar que a mente humana é suscetível de se deixar levar por opiniões, argumentos e falácias como "pré-conceitos", com o que está "posto", elementos que escravizam o pensamento, impedindo de pensar e investigar. É o argumento da "autoridade", carregada de "títulos acadêmicos" (não raro pagou para obtê-los), em detrimento da autoridade do argumento do verdadeiro pesquisador. Vez em quando a vontade formada a partir de sentimento impera sobre o intelecto."
Uma re-significação da cognição judicial
Elaborado em 04/2011.

Decidir pressupõe escolhas, envolvendo, portanto, para o sujeito cognoscente, percepção, identificação e seleção. Se não há escolhas, não há decisão (Este, aliás, é um dos diferenciais entre o despacho e a decisão interlocutória, no âmbito dos pronunciamentos judiciais). Entrementes, para se escolher, inexoravelmente, o magistrado percorrerá um caminho progressivo que o levará a estabelecer a opção que fez e o sustentáculo desse caminho – elemento condutor – terá basicamente três vertentes: a emoção, o intelecto e uma forma híbrida: a intuição.
Sob esse viés, o grande problema é discernir, com bons olhos, que coisa é a intuição, com o escopo de não confundi-la com "parcialidade", "ilogicidade", "paixão", "irrazoabilidade", "misticismo", "estalo" etc. Sob o ponto de vista ontológico, a intuição não se identifica com o senso comum, com o conceito popular. Ao revés. Faz parte de uma faceta importante da mente humana. Não se decide com um compartimento do cérebro; decide-se com a sua totalidade.
Quais ingredientes levam o juiz a decidir dessa ou daquela maneira? Somente o intelecto vinculado a uma operação lógica ou silogística? Pensar dessa forma estar-se-ia apequenando o território da mente humana, ignorando o solo das emoções, do inconsciente, numa visão monocular, epidérmica e ingênua da realidade.
No processo judicial não há verdades; há versões. Aquela pregação doutrinária, da vala comum, de diferenças entre a verdade real (!?) e verdade formal (se existe verdade formal, existe o oposto: mentira formal, possivelmente também a mentira real), é fictícia. Deveras, na dialeticidade do processo judicial, há a versão do autor (tese), a versão do réu (antítese) e o resultado judicial conciliador entre as teses (síntese). O juiz não chega a uma verdade ("o que é a verdade"?), num mito milenar; ele chega a uma certeza (qualidade daquilo que é certo dentro de um cenário probatório processual); ele chega a uma verossimilhança, vale dizer, aquilo que tem semelhança de verdadeiro dentro de um quadro apresentado a si. Assim é que, o ato sentencial representa o produto de um olhar interpretativo; não a verdade em si.
Entanto, nesse iter, em busca da certeza para pacificar ("pacificar"?) o conflito social e oferecer uma boa – ou esperada – solução não basta a lógica e o intelecto (stricto sensu). Afinal, o vocábulo "sentença" emana de sentire, na forma do gerúndio ("sentindo"), propiciando uma idéia de continuidade progressiva e de dinamismo. Decisão (lato sensu) envolve impulso, vontade e escolha. Re-significar essa busca pelo acerto pressupõe reler o fenômeno do conhecimento no discurso jurídico. Romper a tradição e o já "estabelecido" não é tarefa fácil, pois a originalidade não é assimilada pela psique coletiva, o olhar da "multidão". Alcançar a superação requer romper resistências. Para tanto, mister se faz fechar o "livrinho" e abrir a mente.
"O que não está nos autos, não está no mundo" (!), diria aquela máxima antiga. Então, em que lugar está? Será ignorado num cenário injusto, em nome de uma suposta (e aparente) "segurança"? Como, quando e onde achá-lo? Quando se dirige um carro, o pára-brisa é maior do que o retrovisor. A visão do futuro deve preponderar à do passado. Dirá Fábio de Oliveira[1]: "... o Direito não começa agora e o seu legado é a base daquilo que se propõe inovar". Aqui o que se pretende é apresentar um fenômeno da mente humana no processo do conhecimento, a dizer, do saber, no âmbito das decisões judiciais.
"Aquilo que sei, mas que, sem saber que o sei, me influencia mais do que sei"[2]: eis a tônica da intuição. Baseia-se num conhecimento apriorístico, num dado preexistente que se instalou no inconsciente. O que é o saber e como alcançá-lo? Esse sempre foi o desafio (ou o dilema?) dos filósofos desde os escombros do passado. Perde-se na noite dos tempos a busca pelo conhecimento. O conhecimento: encontrá-lo-á pelos sentidos (de fora para dentro) ou, ao revés, pelo pensamento (de dentro para fora)? A certeza é uma alteração contínua; não é estática. Pode ser alterada; há um fluxo contínuo e dinâmico.
Nesse quadro, a imagem de um objeto cognoscendi surge para o ser pensante da forma que ele vê e percebe ou como na realidade ele é? Ao olhar para um objeto, duas pessoas vêem a mesma coisa? Os juízos são idênticos? Como ter certeza? O ser humano vê a "realidade" com os olhos que têm, a partir de suas crenças, de seus valores, de sua história de vida e – por que não? – de suas (de)formações? Uma mirada interpretativa se interpõe entre o sujeito e a realidade investigada. Já diziam os romanos: "cada cabeça, uma sentença" (tot capita, tot sententia).
De outra ótica, o Cristianismo trouxe distinções importantíssimas, fazendo diferença entre o conhecimento pela fé e o conhecimento pela razão; verdades reveladas e verdades racionais; matéria e espírito; corpo e alma; visibilidade e invisibilidade; efêmero e eterno. Tornou evidente que o erro e a ilusão são inerentes à natureza humana (errare humanum est), mercê do pecado original lá no Éden. Nem tudo que não se vê ou não se prova, inexiste.
Cada povo antigo nutria um conceito temporal da verdade. A verdade, para o grego (aletheia) era um conceito ligado ao presente; aquilo que é. A verdade, para os romanos (do latim veritas) era um conceito vinculado ao passado, ligado a um fato preexistente, uma idéia apriorística, era uma realidade existente previamente. No hebraico (emunah), o conceito de verdade se ligava ao futuro[3], uma idéia prospectiva ou profética, o que haveria de existir como realidade. Portanto, a "verdade" era um conceito que se vinculava ao tempo.
Para investigar o erro e a verdade surgiram dois nomes em destaque, dentre outros, na filosofia: o inglês Francis Bacon e o francês René Descartes. É evidente que Aristóteles (350 a. C.) também trabalhou com esse conceito. Em sua linha de reflexão, ele entendeu que para chegar ao conhecimento da verdade, a mente humana atravessa, basicamente, quatro fases progressivas: 1) ignorância (mente in albis); 2) dúvida (motivos divergentes e motivos convergentes em equilíbrio, "em cima do muro"); 3) opinião (doxa dos gregos), em que os motivos divergentes ou os convergentes começam a prevalecer sobre o outro e, finalmente, 4) a verdade (rectius, certeza).
Na seqüência temática, é de se ressaltar que a mente humana é suscetível de se deixar levar por opiniões, argumentos e falácias como "pré-conceitos", com o que está "posto", elementos que escravizam o pensamento, impedindo de pensar e investigar. É o argumento da "autoridade", carregada de "títulos acadêmicos" (não raro pagou para obtê-los), em detrimento da autoridade do argumento do verdadeiro pesquisador. Vez em quando a vontade formada a partir de sentimento impera sobre o intelecto. Ao revés, o intelecto, pelo rigorismo silogístico, impera sobre idéias de intuição perfeitamente factíveis e justas. É possível vencer essa batalha?
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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm