“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

sábado, 21 de maio de 2011

Quando o silêncio é intolerável

OSCAR VILHENA VIEIRA
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Na política, nem sempre o calar é ouro, e no direito, nem sempre é admissível. A opinião pública pode desconfiar
O constrangedor silêncio do ministro Palocci em relação às atividades de sua empresa de consultoria, no período em que foi deputado federal, é revelador de inúmeras mazelas de nosso sistema político, bem como da existência de largas zonas de penumbra em nossas instituições jurídicas. Esse silêncio, no entanto, não é destituído de consequências.
Há hoje uma grande confusão no debate público, a meu ver proposital, entre consultoria, lobby e tráfico de influência ou advocacia administrativa. A atividade de consultoria é evidentemente legal. Não se poderia proibir pessoas inteligentes, bem formadas e informadas de profissionalmente emitir suas opiniões para quem se dispusesse a por elas pagar. Essa atividade, no entanto, não deve ser confundida com lobby, que significa operar junto aos tomadores de decisão na esfera pública para que interesses de um determinado setor ou grupo sejam contemplados. Tampouco essa atividade, tão antiga como a própria política, é ilegal. Aliás, no Brasil, ela nem sequer é diretamente regulada. E aí é que mora o problema. Se não é desejável ou possível proibir o lobby, é certamente urgente a sua regulamentação. Pois como o lobista busca influenciar a autoridade pública no atendimento de interesses privados (muitas vezes legítimos) seria fundamental que pudéssemos saber quem são os lobistas, para quem trabalham, com que autoridades estão se encontrando e quanto ganham.
Disciplinar a atividade é fundamental para que possamos diferenciar essa prática da advocacia administrativa e do tráfico de influência, proibidos pelo Código Penal e pela lei de improbidade administrativa. O que a lei brasileira proíbe é que funcionários e autoridades patrocinem direta ou indiretamente interesses privados perante a administração. Assim, pode fazer consultoria; pode até fazer certo tipo de lobby; o que uma autoridade não pode fazer está muito bem definido pelo direito administrativo e criminal brasileiro.
Há mais de 20 anos tramitam no Congresso Nacional inúmeros projetos de lei que buscam disciplinar a atividade de lobby. Ao não legislar sobre o tema o Congresso permite que pessoas e empresas pratiquem o lobby e ganhem muito por isso, sem o ônus de deixar claro por quais interesses estão lutando ou quais armas estão utilizando. Pior ainda é que, ao não regulamentar a prática, o Congresso contribui para que muitas empresas e profissionais se utilizem do título de consultores ou mesmo do hoje desregulado título de lobistas para, de fato, atuarem no ramo do tráfego de influência e de advocacia administrativa.
Não sabemos o que a empresa do ministro Palocci fazia ou deixava de fazer. Ele, até o momento, se nega a dizer. A Constituição determina e a prudência nos adverte que não devemos tirar conclusões e especialmente atribuir às pessoas práticas criminosas antes de um devido processo. Parece então que, havendo suspeitas sobre a conduta de uma autoridade, a única coisa a ser feita, nos âmbitos administrativo, político e judicial, é iniciar processos de averiguação da verdade. A penumbra jurídica criada pela omissão dolosa do Congresso em não regular o lobby não pode de nenhuma maneira ser um obstáculo para eventual aplicação da legislação em vigor.

Se o silêncio do ministro impõe às diversas autoridades jurídicas o dever de averiguar, provoca na opinião pública o direito de desconfiar. Num estado democrático de direito o silêncio da autoridade soa como retumbante deboche aos cidadãos. O fato de um ministro de Estado não querer prestar declarações sobre atividades suas, ainda que pretéritas, que eventualmente tenham implicações sobre sua conduta administrativa no presente constituí um escárnio tanto em relação aos cidadãos como à autoridade que a ele delegou atribuições. No caso, a presidente da República. Na pior tradição do patrimonialismo brasileiro, zomba da República, mimetizando os monarcas do antigo regime, que não estavam obrigados a responder aos seus súditos pelos seus atos. Trata-se de um gesto de soberba inadmissível em uma república, onde não deve haver espaço para o segredo.
Nos recentes escândalos que envolveram o Partido dos Trabalhadores, a estratégia foi diluir a culpa do partido, atribuindo aos entraves do sistema de financiamento de campanha a necessidade de construir esquemas de financiamento heterodoxos. O que, alega-se, seria prática de todos os partidos. No presente caso, pelas parcas informações que se tem, os valores percebidos pela empresa Projeto também cresceram durante a última campanha. Mas, em face da aquisição de um apartamento de mais de R$ 6 milhões, fica complicado explicar essas operações como práticas heterodoxas de campanha. Assim, preferiu-se diluir a culpa, estendendo-a a outras autoridades que também se beneficiaram da passagem pelo governo para aumentar seus rendimentos. A estratégia é pueril, moralmente baixa, além de não ter nenhuma efetividade jurídica.
Resta agora pressionar para que a Presidência da República, o Procurador Geral da República, o Congresso Nacional e a própria Polícia Federal não tomem tão obsequiosamente o loquaz silêncio do ministro e cumpram o seu dever de apurar.
OSCAR VILHENA VIEIRA É PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA DIREITO GV, SÃO PAULO, MESTRE EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE COLÚMBIA E DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP. AUTOR DE ESTADO DE DIREITO E DESENVOLVIMENTO (SARAIVA).
Fonte:

Artigo - Sai daí; sai já, Palocci (três razões para que o ministro da Casa Civil vá embora)
- O jornalista Leonardo Attuch, do jornal diário digital Brasil247, editado para iPad, acha que o ministro Antonio Palocci não tem mais lugar no governo: 1) porque abriu o flanco para investigações sobre dinheiro sujo da campanha de Dilma Roussef. 2) porque a sua defesa moveu interesses tão poderosos, que ele acabou demonstrando ter mais força do que Dilma Roussef. 3) porque agiu etica e moralmente de modo viscoso e desonesto. CLIQUE AQUI para ler tudo. A seguir, trechos do artigo.

Pode uma empresa praticamente de fachada, como era a Projeto, de Palocci, arrecadar cerca de R$ 10 milhões entre o segundo turno das eleições presidenciais e a posse da presidente Dilma, como revela a Folha de S. Paulo deste sábado? A resposta é também não. O que seria isso? Sobra de campanha? Comissão pela arrecadação diante do grande empresariado? Seja o que for, é também “ilegal, imoral ou engorda”.

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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm