“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

quinta-feira, 8 de março de 2012

RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ERRO JUDICIÁRIO

Rui Stoco*

O erro judiciário (CPP, art. 630)

Considerações gerais

Já observava o inesquecível Mário Moacyr Porto (1) que "a lei não esgota o Direito, como a partitura não exaure a música".
Ademais, o imobilismo das leis é incompatível com o dinamismo da sociedade, na medida em que são as regras apenas amostras teóricas de comportamentos, que traduzem a consciência social de uma era.
Assim se apresenta o erro judiciário: não apenas a má subsunção do comportamento à norma em vigor à época do fato; o erro de perspectiva ou a falsa percepção dos fatos.
Pode decorrer, também, da falsa percepção que o julgador tem do preceito legal "in abstracto", dando-lhe inadequada exegese no exato instante de aplicá-lo ao caso concreto, como, por exemplo, reconhecer atentado violento ao pudor e aplicar a absurda pena de 6 a 10 anos de reclusão prevista no art. 214 do Código Penal àquele que trocou carícias com a própria namorada, ou aplicou disposição anacrônica, reconhecendo a sedução (CP, art. 217) praticada contra mulher devassa e já prostituída, embora ainda virgem.

O erro judiciário traduz uma situação casuísta e que, portanto, exige que se analise caso a caso.

Mais.

Não se justifica nos dias atuais o estabelecimento de uma regra específica para o erro judiciário, tal como posto no artigo 630 do CPP e no artigo 52 da Constituição Federal se já existe uma regra geral, ao nível constitucional, estabelecendo a responsabilidade objetiva do Estado, por danos que seus agentes causarem a terceiros (CF/88, art. 37, § 6º).

O erro judiciário típico pode ser corrigido por outro julgado superior, através de medida específica e criada para tal - a revisão criminal - prevista no artigo 621 do Código de Processo Penal (2) e que no direito imperial tinha o nome de "recurso de revista".
Do que se infere que o habeas corpus é meio inadequado e sede indevida para obter o reconhecimento do erro judiciário (3).
Aliás, embora capitulada entre os recursos, na realidade a revisão constitui verdadeira ação, de caráter constitutivo-negativo, pois visa desconstituir a decisão anterior transitada em julgado, não havendo prazo para sua interposição.
Mas tenha-se em mente que corrigir o erro através da Revisão não é o mesmo que reparar o erro, no sentido civilístico da palavra, o que só se consegue no Juízo Cível, após a declaração dessa circunstância.

Dispõe o art. 630 do Código de Processo Penal:

"Art. 630. O Tribunal, se o interessado requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1.º - Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2º - A indenização não será devida:
a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;
b) se a acusação houver sido meramente privada".
Não obstante esse direito já estivesse explicitado no Código de Processo Penal, a Constituição Federal de 1988 alçou o direito à indenização por erro judiciário à condição de garantia fundamental do cidadão, no art. 5.-o, inciso LXXV, ao dispor que "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença".
Lembra João Sento Sé que a reparação do erro judiciário tem uma longa tradição no direito brasileiro; o Código Penal de 1890, art. 86, já reconhecia o direito do reabilitado a uma justa indenização, a cargo do Poder Público, pelos prejuízos sofridos com a condenação (4).
Na realidade - escreve Yussef Said Cahali (5) - o preceito do art. 630 do estatuto processual penal, mostra-se extremamente limitativo da responsabilidade indenizatória do Estado pelos danos causados no exercício da jurisdição criminal a seu cargo.
Para Luiz Antônio Soares Hentz (6), "opera com erro o juiz sempre que declara o direito a um caso concreto, sob falsa percepção dos fatos; a decisão ou sentença divergente da realidade conflita com os pressupostos da justiça, entre os quais se insere o conhecimento concreto dos fatos sobre os quais incidirá a norma jurídica".

Segundo escólio de Aquiar Dias (7), "ordinariamente, considera-se erro judiciário a sentença criminal de condenação injusta. Em sentido mais amplo, a definição alcança, também, a prisão preventiva injustificada".
Podemos agora acrescentar que esse sentido amplo abrange, também, o excesso de pena ou o cumprimento de pena além do tempo fixado na sentença, por força do preceito constitucional contido no art. 5º, LXXXV, da CF/88.
Nada justifica - hoje - excluir da possibilidade do erro, no sentido genérico a que se refere a Carta Magna, qualquer tipo de prisão, seja definitiva, decorrente de sentença; seja ela, ainda, preventiva, cautelar ou provisória.
Aqui, nesta quadra, está-se referindo ao erro judicial in genere e não apenas ao erro judiciário típico (in specie).
Para Luiz Hentz (8), as principais causas do erro judiciário são:

a)o erro ou ignorância; b) o dolo, simulação ou fraude; c) o erro judiciário decorrente da culpa; d) a decisão contrária à prova dos autos; e) o erro provocado não imputável ao julgador; f) a errada interpretação da lei;

g) o erro judiciário decorrente da aplicação da lei.

Divergindo, apenas em parte, do ilustre autor, entendemos que apenas o erro substancial e inescusável, o dolo e a culpa poderão empenhar responsabilidade do Estado, por erro judiciário.

O erro judiciário decorrente da aplicação da lei inconstitucional, não obstante alguns trabalhos pioneiros, ainda suscita mais controvérsia do que solução.
É certo que a lei inconstitucional, aplicada à hipótese "sub judice ", ou a não aplicação da lei de constitucionalidade indiscutível poderá, apenas em tese, gerar o erro judiciário.

Contudo, o direito à indenização por erro judiciário não poderá decorrer apenas dessa circunstância. A hipótese enquadra-se no critério ou regra geral preconizado no art. 37, § 6º da CF/88, de modo que só na análise do caso concreto é que se poderá pender para a solução adequada.
Em resumo, se o erro decorre de causas multifárias, o fato de se entender inconstitucional lei aplicada ou constitucional a lei não aplicada, quando deveria ser, não pode - só por si - ser considerado, automaticamente, causa eficiente do dever de reparação. Esse juízo de valor há de ser feito em sede rescindenda, como pressuposto necessário e antecedente lógico, onde fique declarada não só a inconstitucionalidade (ou circunstância outra), como e principalmente o liame entre esta e o erro.

Ademais, a definição do que seja inconstitucional não é seara de suave colheita, de modo que, reitere-se, somente a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo aplicado e de que sua aplicação foi a causa eficiente do erro judiciário, ocorrida na ação revisional (revisão criminal) ou na ação rescisória é que poderá conduzir à indenização.

Acusação privada e erro judiciário (CPP, art. 630, § 2º, "h')

Cabe advertir, entretanto, que se a acusação         houver sido meramente privada não poderá ser o Estado responsabilizado pelo erro, segundo a dicção do art. 630, § 22, "b" do CPP (9).

A disposição, ademais de equivocada, mostra-se injusta.

Perceba-se a redação do indigitado artigo 630:

"O Tribunal, se o        interessado requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

A uma, que a indenização, se devida, será sempre justa. A expressão é redundante.

A duas, que o dispositivo não esclareceu quem responderá pela "justa indenização".

Ora, se responsável pelo erro for o Estado -Juiz ou seus auxiliares, será empenhada a responsabilidade do Estado. Mas se responsável for o advogado da própria parte ou da parte contrária, evidentemente que continuará a existir um responsável, ainda que o particular.

A acusação pode ser privada nas ações penais privadas típicas e nas ações penais públicas subsidiárias (CPP, art. 29) mas os atos judiciais e a decisão serão sempre públicas, posto originados do Estado-Juiz.
Se na ação penal privada ocorrer o chamado erro judiciário, decorrente de ato ou decisão equivocada do julgador, incidirá a regra geral do art. 37, § 6º da Constituição Federal e a indenização será devida se preenchidos todos os pressupostos exigidos.

A desconstituição do julgado como condição para a ação de indenização

Filiamo-nos à corrente doutrinária no sentido de que a cessação dos efeitos do julgado de que não cabe mais recurso, figura como condição para o reconhecimento do erro judiciário e a imputação do dever de indenizar do Estado.

Ou seja: cabe afirmar, como condição à reparabilidade do erro judiciário, a necessidade de revisão ou rescisão do julgado, id est, a sua desconstituição pela via própria.

Não há como anuir ao entendimento do citado autor.

Luiz Antônio Soares Hentz (10) ao expressar: "A sustentação que se faz aqui é no sentido da desnecessidade de desconstituir o julgado cível ou criminal, podendo a indenização ser postulada como ação autônoma, já que a coisa julgada não opera impedimento a considerações sobre eventual desacerto do julgamento".

Ora, a se aceitar a tese acima estaria instalada a incerteza jurídica com a desestabilização dos julgados, tendo-se de fazer "tabula rasa do instituto garantidor e estabilizador da coisa julgada.

Figure-se a hipótese de um juiz-substituto que, com apenas alguns dias de carreira, venha reconhecer, na ação civil de indenização, erro judiciário cometido, segundo seu entendimento, pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, confirmando, em sede de recurso extraordinário, decisão proferida em ação penal, invocando como fundamento do erro e razão de decidir a aplicação (ou confirmação da aplicação) de lei inconstitucional pela Suprema Corte!

Estaria se postando como revisor de uma Corte Suprema, à qual a Lei Magna atribuiu a prerrogativa de guardiã da constitucionalidade das leis.

O inusitado e absurdo do exemplo bem demonstra que a revisional (no crime) e a rescisória (no cível) exsurgem como pressuposto lógico indispensável para aviventar-se a ação civil de indenização.

Nesse sentido, aliás, escólio de Juary C. Si1va (11) "parece-nos que a desconstituição da sentença transitada em julgado seja pré-condição essencial no atinente à caracterização dessa responsabilidade, em todas as hipóteses em que ela decorrer de sentença de mérito".

Cabem, entretanto, duas ressalvas:

A exigência da desconstituição do julgado como pré-condição, só se refere à decisão de mérito.

O indivíduo, ad exemplum que permaneceu preso injustamente, sem motivação aparente; que tenha sido detido pela autoridade policial, com evidente abuso de poder, ou esteve cumprindo pena de outro indivíduo, seu homônimo, poderá, a qualquer tempo, exigir reparação do Estado. Mas aqui não se trata de erro judiciário, mas da má atuação do Estado-Administração.

A permanência na prisão, decorrente de sentença condenatória, além do prazo nela estipulado, poderá até decorrer de erro judiciário, em razão de erro de cálculo ou mesmo de incorreto critério no apuração, in concreto, da pena exeqüenda ou na sua unificação. Evidentemente que nessa hipótese a só comprovação do erro e a existência do nexo causal entre este e o dano ensejará a indenização. O erro, na hipótese, não decorre da decisão de mérito, mas localiza-se na execução da pena, fase posterior ao iudicium causae.

Por outro lado, a coisa julgada opera entre as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros (CPC, art. 482).

Desse modo, se a decisão judicial transitada em julgado prejudicar terceiro, estranho à lide, poderá este, eventualmente, reclamar reparação pelo dano que a decisão lhe causar, como conseqüência de sua exteriorização e projeção reflexiva ou obliqua, independentemente de sua desconstituição prévia, o que ressuma óbvio, pois a decisão continuará valendo e irradiando efeitos.

Mas, então, também aqui, não se estará, propriamente, diante de um erro judiciário.

Legitimidade ativa e passiva "ad causam"

Parte legítima (legitimidade ativa ad causam) para aviventar a ação cível visando a reparação é a vítima do erro judiciário in specie ou do ato judiciário danoso.

Tanto poderá ser a parte no processo onde se originou o erro, como o assistente, o opoente, o denunciado à lide ou o terceiro prejudicado na ação judicial de que não participou.

Contudo, se a vítima do erro judiciário vier a falecer, o direito à indenização se transmite às pessoas a quem ele estava obrigado a prestar alimentos (cf. Espínola Filho (12) e Rogério Lauria Tucci (13).

Aliás, o art. 1.526 do Código Civil dispõe que "o direito de exigir reparação, e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança, exceto nos casos que este código excluir".

Sujeito passivo da ação civil de conhecimento ou execução, visando a reparação do dano causado pelo erro judiciário, será o Estado (União, estados e municípios), representados em juízo pela Fazenda Pública.

Resta-lhe, contudo, o direito de regresso, nos termos do art. 37, § 6º da CF/88, contra o agente causador do dano, caso fique evidenciado que este agiu com dolo ou culpa.

Mas apenas na hipótese de comprovada a culpabilidade do agente público é que se poderá empenhar sua responsabilidade pessoal, pela via regressiva.

Cabe advertir, ainda, que, embora o magistrado possa ser responsabilizado de forma pessoal e direta nos casos de responsabilidade aquiliana, fundada na culpa, a obrigação de reparar o erro judiciário típico, a que se refere o art. 630 do CPP, será sempre do Estado, por força do disposto no seu § 1º, que atribui esse dever à União e aos estados federados.

Fora dessa hipótese, o ato judicial danoso poderá, em tese, possibilitar que se ingresse em juízo diretamente contra o seu causador (juiz, promotor auxiliares da justiça), quando então o autor deverá provar o dolo ou culpa para obter o direito à reparação.

Ação civil de reparação do dano

Sustentamos anteriormente que a desconstituição do julgado através da revisão criminal, onde se desfaz ou rescinde o mérito da decisão judicial e declara a ocorrência do erro judiciário, constitui pressuposto lógico para a obtenção da indenização a que se refere o art. 630 do CPP

Coerente com esse entendimento, a conseqüência lógica é no sentido de que essa decisão faz coisa julgada no cível, seja porque a declaração do erro conduz à indenização, por força de previsão expressa na Lei Magna, seja, ainda, por força da disposição contida no artigo 1.525 do Código Civil, que assim dispõe: 'A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime."

Razão pela qual aderimos ao entendimento de Luiz Antônio Soares Hentz (14) ao expor:

"O direito de ação pode ter a natureza de processo de conhecimento (quando necessário provar os fatos constitutivos do direito invocado), assim como pode ser um processo de execução (quando o direito à indenização for previamente reconhecido, como na hipótese de revisão criminal)."

Ofende a lógica jurídica permitir que o julgador civil ingresse no próprio mérito da causa revisional para decidir de forma contrária ao que ficou assentado na ação criada apenas e tão-somente para a revisão das decisões proferidas no crime e acobertadas pela imutabilidade ordinária, por força da coisa julgada.

Também aqui haveria uma contraditio in terminis e a insegurança jurídica.

Mas, reconhecido o erro, em decisão proferida pela corte rescindenda, forma-se verdadeiro título executivo, bastando, no cível, fixar e apurar o quantum da indenização.

Aliás, o § 1º do art. 630 do CPP não deixa margem a disceptações, ao dispor que essa indenização "será liquidada no juízo cível", mostrando, estreme de dúvida, que, nesta sede, se promove apenas a liquidação.

Liquidação do dano

Não obstante se encontrem decisões em sentido diverso (15), dúvida não nos assola de que a indenização por erro judiciário típico, previsto no art. 630 do CPP e por prisão indevida, seja por abuso, ou pelo excesso no cumprimento de pena (CF/88, art. 5º, LXXV), deve ser apurada segundo a regra do artigo 1.550 do Código Civil.

Isto porque o artigo 1.551 desse estatuto não deixa dúvida ao esclarecer que "consideram-se ofensivos da liberdade pessoal: I - o cárcere privado; II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé; III - a prisão ilegal.

Ora, a prisão anterior ou posterior à sentença de mérito que vier, em sede própria, a ser declarada indevida em razão de erro judicial será, sem dúvida, ilegal, subsumindo-se à hipótese prevista no dispositivo acima mencionado (inciso III).

Desse modo a indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido (danos emergentes e lucros cessantes), e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547 (cf. art. 1.550 do Código Civil). Isto porque este art. 1.550 dispõe que "a indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547".

Ora, a ofensa à liberdade pessoal é o gênero de que o erro judiciário civil e criminal, o excesso de prazo no cumprimento de pena privativa da liberdade e a prisão indevida são espécies.

Significa, pois, dizer que o erro judiciário propicia dupla reparação; por dano material efetivamente ocorrido, como eventuais danos emergentes e lucros cessantes, e por dano moral.

Preconiza a lei a cumulação de indenizações. material, consistente nos danos patrimoniais efetivos causados à vítima; nos lucros cessantes, na consideração de que a privação da liberdade poderá tê-lo privado também do exercício de sua atividade profissional, e extrapatrimonial - a titulo de dano moral - que se presume, dispensando comprovação.

Nesse diapasão o escólio de Yussef Cahali (16):

"A questão não é nova. A se atribuir à reparação do dano moral o caráter exclusivo de pena privada (e nós não o aceitamos), poder-se-ia deduzir que l'État ne répare pas le dommage moral, na medida que a ação repressiva dirigida contra o Estado não teria nenhum sentido (Colliard, Le prejudice dans la responsabilité administrative, p. 69). Como ressalta Ripert, a aplicação desse principio deixaria incompleta a reparação do dano (La Régle Morale dans les Obligations Civiles, n. 183, p. 354)".

Atualmente, contudo, a crítica não procede, pois esse valor resultante do critério legal (dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva) não se mostra mais insignificante como obtemperou Carlos Roberto Gonçalves na edição anterior de sua obra (17).

Pelo contrário.

É que a Lei 7.209/84, que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal, estabeleceu novos parâmetros para a fixação da pena de multa.

O parágrafo único do art. 1.547 do Código Civil (aplicável aos casos sub examine por expressa disposição legal) estabelece que se na injúria ou calúnia o ofendido não puder provar prejuízo material, "pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva".

Levando-se em consideração os critérios estabelecidos no art. 49 do Código Penal para a fixação da pena de multa, teremos:

Multa no grau máximo: 360 dias-multa, multiplicado pelo valor máximo do dia-multa, que corresponde a 5 vezes o salário mínimo = 1.800.

Dobro da multa no grau máximo: 1.800 x 2 =         3.600 salários mínimos.

Como se vê, o valor é realmente expressivo, pois, hoje, eqüivalem a aproximadamente U$ 374.000,00 (trezentos e setenta e quatro mil dólares) o que, contudo, não compromete o raciocínio desenvolvido, nem desautoriza a afirmação de que essa indenização tarifada foi prevista com o objetivo de compor o dano moral, sem prejuízo da indenização por danos materiais comprovados.

Outros erros judiciários diversos da previsão constante do art. 630 do CPP

Tradicionalmente, quando se fala em erro judiciário, sem ulteriores especificações, trata-se de erro judiciário no juízo criminal. Mas existem erros judiciários fora da órbita penal. Esses demais erros estão compreendidos nos atos judiciais, de que aquele é mera especialização (18).

Edmir Neto Araújo (19) já manifestava o entendimento - correto, aliás – de       que se deve entender por erro judiciário a sentença equivocada, quer seja emitida em um processo criminal quer tenha origem em um procedimento não-penal.

O erro judiciário é ato jurisdicional, "vale dizer, ato jurisdicional legítimo (melhor dizer "autêntico"), perfeitamente identificado com as formalidades que lhe são inerentes" (20).

O que se pretende esclarecer é que a indenizabilidade decorrente dos danos causados por força da atividade judiciária como um todo, já encontrava supedâneo na regra geral estabelecida no art. 107 da revogada Constituição Federal de 1967 e o encontra no art. 37, § 6º da atual.

Ocorre que o legislador ordinário, já nos idos de 1941, quando posto a lume o Código de Processo Penal, preocupou-se em assegurar o direito das vítimas de erros judiciários na esfera penal.

Mas pode-se afirmar, sem disceptação, que o direito à indenização por atos judiciais nocivos, originados de erro, decorre do sistema geral estabelecido na Constituição da República, como atrás afirmado.

Tanto isso é certo que a CF/88 validou e recepcionou o art. 630 do CPP ao estabelecer, desnecessária e casuisticamente, o direito à indenização por erro judiciário no art. 52 , LXXXV, não obstante a regra geral constante do art. 37, § 6º.

Aliás, já se acentuava, antes disso, expressiva manifestação da doutrina, com reflexos na jurisprudência, no sentido de reconhecer a responsabilidade do Estado por danos conseqüentes de suas falhas e omissões na prestação jurisdicional.

O sistema processual em vigor reconhece dois tipos de erro: o error in procedendo, que se traduz na equivocada condução do procedimento e o error in judicando, que expressa o equívoco no julgamento propriamente dito.

Ambos poderão conduzir o Estado à obrigação de indenizar.

Mas cabe acentuar que a responsabilidade do Estado por erro judiciário e prisão indevida encontra previsão específica no art. 5º, LXXV da CF/88 e no art. 630 do CPP, enquanto que a responsabilidade civil pessoal do magistrado está fixada no art. 133 do Código de Processo Civil, restringindo-se às hipóteses de dolo (posto que a fraude é uma conduta dolosa) ou culpa, esta sob a modalidade da negligência, ou seja, "recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte", segundo a dicção do art. 133 do Código de Processo Civil e, portanto, com fundamento na responsabilidade aquiliana.

Aliás, disposição idêntica foi reproduzida no art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n.º 35, de 14.3.79).

Nelson Nery Júnior (21) assume posição contrária ao nosso entendimento ao expor que "a responsabilidade pessoal do juiz somente ocorrerá se tiver procedido com dolo ou fraude. A culpa no exercício da atividade jurisdicional não acarreta, para o magistrado, o dever de indenizar. O ato jurisdicional danoso, praticado com culpa, embora não enseje ao juiz o dever de indenizar, pode acarretar, em tese, esse dever para o poder público (CF, 37, § 6º)".

Cabe obtemperar, contudo, que o legislador não foi redundante, nem inseriu no preceito do art. 133 do CPC e do art. 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional palavras inúteis. Se dispôs que a responsabilidade do juiz é pessoal quando agir: I) com dolo ou fraude e quando II) recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo a prática de ato, temos que se a culpa em sentido estrito não estivesse incluída na previsão o item 11 seria dispensável.

Convenha-se que em um tema de extrema importância como este o legislador não terá sido displicente a esse ponto, ao por a lume dois estatutos fundamentais.

Ademais, a indolência, a omissão ou a recusa imotivada, como é cediço, são espécies de que a negligência é o gênero.

Comentando o artigo 133 da lei processual codificada Arruda Alvim esclarece: "Se, de uma parte, é bastante restrita a responsabilidade pessoal dos juizes, o que não exclui a responsabilidade civil do Estado, naquelas hipóteses em que se configure a responsabilidade dos juizes, devemos observar, por outro lado, que a responsabilidade do Estado, prescindindo-se da responsabilidade do juiz, 'de índole pessoal', é algo mais ampla" (22).

Consonante com o entendimento por nós defendido neste seguimento, o eclético jurista Joel Dias Figueira Júnior (23), destacado magistrado de Santa Catarina, faz uma distinção dicotômica do erro judiciário, neste incluindo a atuação culposa do magistrado, assim se expressando, in verbis:

"Dentro da distinção exposta tradicionalmente, o erro judiciário stricto sensu enquadrar-se-ia naquelas figuras descritas no art. 133 do Código Buzaid (procedimento culposo - culpa grave - ou doloso; recusa, omissão ou retardamento sem justo motivo de providências que deveria tomar de ofício ou a requerimento da parte) e naquelas outras do art. 630 do Código de Processo Penal, em sintonia com o estatuído no inc. LXXV da Constituição Federal (direito à indenização pelos prejuízos sofridos decorrentes de sentença condenatória, após a obtenção de decisão judicial determinando a sua cassação - revisão criminal); condenação errada e prisão por tempo superior ao fixado no decisum. De outra parte, o erro judiciário lato sensu estaria enquadrado nas hipóteses de mau funcionamento da máquina administrativa. Seguindo este entendimento, sinteticamente, poderíamos classificar a responsabilidade do Estado por dolo, fraude ou culpa grave do magistrado, ou por culpa (objetiva) do serviço judiciário verificada não por causa do juiz, mas sim, por inércia, negligência ou desordem na manutenção e funcionamento dos serviços judiciais."

A prisão indevida

O artigo 5º, inciso LXXV impõe ao Estado a obrigação de indenizar o condenado que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

Essa prisão indevida não decorre do clássico erro judiciário, nem assim se caracteriza, pois ocorre não em razão da sentença de mérito, mas em função da incorreta execução da pena ou da desídia dos agentes públicos.

Nesse sentido o pensamento de Luiz Antônio Soares Hentz (24) ao observar que "o princípio da indenização da prisão além do tempo fixado na sentença foi explicitado no direito constitucional juntamente com a reparação do erro judiciário e, embora haja pontos de contato entre os dois institutos de direito material, afirma-se que o erro judiciário não depende da verificação de prisão, assim como a indevida privação da liberdade física não decorre necessariamente de erro de julgamento".

Perceba-se que a garantia constitucional abroquelada no inciso LXXV do art. 5º da Magna Carta só se referiu ao erro judiciário e ao excesso de prisão.

Do que se infere que, segundo o canon constitucional, pressupõe-se uma prisão legal e legítima, decorrente de sentença hígida e imperante mas que se torna ilegítima após alcançado o termo ad quem estabelecido na decisão judicial.

Ocorre, pois, a ilegitimidade do excesso de prisão e não a ilegitimidade da prisão em si.

Poder-se-ia então entender que a regra constitucional asseguradora de garantia fundamental é taxativa, em numerus clausus.

Não é o que ocorre, porém.

Como não se desconhece, porque truísmo, a Carta Magna estabelece princípios e não casuísmos, os quais reserva à legislação infraconstitucional.

Desse modo a prisão indevida, seja qual for, ainda que não se subsuma com perfeição à hipótese enunciada naquele inciso, enseja reparação.

Exemplificamos acima alguns casos de prisão indevida, diversos da permanência do condenado na prisão decorrente de sentença condenatória legítima além do prazo nela estipulado, como, ad exemplum, o indivíduo mantido preso injustamente, sem motivação aparente, ou que tenha sido detido pela autoridade policial, com evidente abuso de poder, ou, ainda, esteve cumprindo pena de outro indivíduo, seu homônimo.

A prisão temporária (Lei n.º 7.172, de 14.12.83), a prisão em flagrante (CPP, art. 301) efetivada por agente público e a prisão preventiva (CPP, art. 312) sem que ocorra a instauração de ação penal, também podem, conforme o caso e as circunstâncias, converterem-se em erro judicial, ensejador da prisão indevida.

São, portanto, hipóteses de prisão indevida por erro judicial (e não erro judiciário) que também empenham a responsabilidade do Estado, seja por força da garantia insculpida no art. 52, inciso 52 da CF/88, seja em razão da regra geral estabelecida no seu art. 37, § 62.

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* Juiz substituto em segundo grau de São Paulo, membro do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e autor de Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial
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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm