“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Os “ficha suja” rompem o cerco? Erro do legislador?


“É bem verdade que muitos políticos condenados foram impedidos de se candidatarem, porém o número dos barrados na festa da democracia ficou bem aquém do esperado. O povo, pasmado, não compreendeu o ocorrido e, até agora, parece que ninguém se lhes dispôs a explicar.”


Ficha Limpa: era bom demais para ser verdade  
Wesley Corrêa Carvalh

1 INTRODUÇÃO

De repente, renasceu a esperança de ver dias melhores na política brasileira, isso em virtude da decisão de o Supremo Tribunal Federal aplicar a Lei Complementar (LC) 135/2010, mais conhecida como lei da ficha limpa, nas eleições municipais de 2012.
A lei da ficha limpa apertou, sensivelmente, o crivo das inelegibilidades ao considerar inelegível não mais apenas o político condenado por decisão judicial transitada em julgado, mas também aquele que condenado fosse por decisão de órgão judicial colegiado. Afinal, chega a ser tão longa a duração de um processo judicial, no Brasil, que a antiga exigência de sentença judicial condenatória transitada em julgado soava mais como uma piada de mau gosto.
E, então, justamente quando o povo mais ansiava por presenciar o início de uma profunda mudança no cenário político brasileiro, políticos de ficha suja, às centenas ou milhares, ainda não se sabe, romperam o cerco da lei complementar 135/2010 e receberam surpreendente deferimento aos seus pedidos de candidatura.
É bem verdade que muitos políticos condenados, foram impedidos de se candidatarem, porém o número dos barrados na festa da democracia ficou bem aquém do esperado. O povo, pasmado, não compreendeu o ocorrido e, até agora, parece que ninguém se lhes dispôs a explicar. Pior para o judiciário cujos integrantes têm agora de ouvir os reclamos populares e com eles se resignarem, pois merecem.
Se explicar o acontecido aos leigos, importa em uma hercúlea tarefa, aos estudantes e aos observadores do direito, parece um tanto mais fácil elucidá-lo, não obstante seja ainda mais difícil concebê-lo.
2 “CARTA NA MANGA”: SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA

O legislador, ao redigir o texto da LC 135/2010 que alterou a redação da LC 64/1990, estabeleceu uma única e exclusiva hipótese em que a suspensão ou anulação judicial de uma decisão possibilitaria a eleição de candidato outrora tornado inelegível. Trata-se da hipótese prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC 64/1990, que cuida da suspensão dos efeitos ou anulação de decisão de Câmara Municipal que rejeite as contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas.    

Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1.contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

Em todas as demais hipóteses de inelegibilidade previstas na LC 64/1990, alterada, o legislador sequer fez menção à suspensão de efeitos ou anulação da decisão que torne inelegível candidato.
Ocorre, porém, que já há algum tempo vem sendo sustentado que a suspensão de efeitos, ou anulação, da decisão judicial que torne candidato inelegível poderá habilitá-lo a concorrer às eleições, muito embora já declarada sua inelegibilidade por decisão transitada em julgado ou prolatada por órgão judiciário colegiado. Como exemplo desse entendimento, convém aqui transcrever:
Continuem lendo em:

A instância superior, a quem compete julgar o recurso contra o julgado, poderá conceder medida cautelar de suspensão dos efeitos das inelegibilidades decorrentes da condenação por órgão colegiado por abuso de poder, pelos crimes especificados na norma, por improbidade administrativa e por corrupção eleitoral – hipóteses previstas nas alíneas “d”, “e”, “h”, “j”, “l” e “n” do inciso I do art. 1º, da Lei das Inelegibilidades. Consoante exigido a qualquer tutela de emergência, necessária a exigência da plausibilidade da pretensão jurídica, pois o risco de dano irreparável sempre se encontra presente ante a natureza dos bens envolvidos, diretamente relacionados com a democracia e a expressão da vontade popular. A medida cautelar de concessão de efeito suspensivo deve ser requerida na petição recursal, sob pena de se operar a preclusão. Nada impede, porém, que a parte interessada interponha ação cautelar incidental diretamente no tribunal ad quem, sempre que aberta a instância superior, ou seja, quando dado seguimento ao recurso. Como sabido, antes da admissibilidade do recurso ser admitida pelo presidente do tribunal recorrido, compete a este a apreciação de medidas cautelares.
No que tange à anulação de decisão já transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, não há quaisquer óbices a se levantar, pois que tal desígnio somente pode ser levado a efeito por decisão de órgão colegiado, em acórdão, devidamente fundamentado, e que reconheça a nulidade da decisão que resultou na inelegibilidade do candidato. Afinal, o que é nulo não produz quaisquer efeitos e é quase como se nunca houvesse existido.
Contudo, concernente à suspensão dos efeitos da decisão que acarrete inelegibilidade, convém aqui fazer algumas oposições, as quais serão a seguir expostas de forma pormenorizada.
Primeiro, que, em muitos desses casos, uma decisão monocrática acaba por inutilizar uma decisão colegiada. Afinal, o que importa em um maior grau de segurança jurídica? Uma decisão singular ou uma decisão colegiada? Evidente que a decisão colegiada melhor representa um julgamento justo. Tanto é que, no desejo de apertar o crivo na escolha dos representantes do povo, buscou o legislador federal adotar um segundo critério, idôneo, que se prestasse a complementar o critério do trânsito em julgado na aferição da elegibilidade dos candidatos. E o critério escolhido? Adivinhe qual foi: decisão colegiada.
Segundo, porque, se o legislador desejasse estabelecer exceção às regras de inelegibilidade estabelecidas na LC 64/1990, ele mesmo o teria feito, eivando cada um dos incisos e suas respectivas alíneas da referida lei com a mesma previsão de suspensão ou anulação contida na alínea g, que trata da rejeição da prestação de contas. Definitivamente, essa não foi a vontade do legislador! Com base em que se afirma tal coisa? Basta lembrar que a LC 135/2010 foi um projeto de lei de iniciativa popular.
Em terceiro lugar, a legislação que possibilita a suspensão dos efeitos de sentença transitada em julgado ou de decisão judicial colegiada é a legislação processual civil, que, em matéria de direito eleitoral, somente pode ter aplicação subsidiária.
Portanto, se a LC 64/1990, alterada pela LC 135/2010, está a fixar a inexistência de sentença transitada em julgado ou de decisão judicial colegiada como condição de elegibilidade, não pode a legislação processual civil, meramente supletiva, negar-lhe aplicação e eficácia.
Ou seja, a LC 64/1990, norma de cunho eminentemente eleitoral, estabelece a inexistência de sentença transitada em julgado e de decisão judicial colegiada condenatória como condições de elegibilidade do candidato; e uma vez infringidas essas determinações, indiferente se mostra para a aferição de elegibilidade de candidato, se tais julgados tiveram ou não seus efeitos suspensos nos juízos cível ou criminal, ambos regidos por normas das quais o direito eleitoral se vale apenas subsidiária e supletivamente. A lei eleitoral não estabelece qualquer ressalva e não as permite estabelecer.
Por esse mesmo motivo, o efeito suspensivo atribuído ao Recurso contra a Diplomação está previsto no art. 216 do Código Eleitoral, não simplesmente calcado em legislação processual civil. Uma coisa é justificar a interposição, o conhecimento e o provimento de embargos de declaração (os quais não têm nenhuma previsão na legislação eleitoral) pelo uso de normas processuais, outra, completamente diferente, é forjar dessa legislação subsidiária uma conclusão que põe em risco a eficácia da própria norma de direito material.
Destarte, essa sobreposição de normas de direito processual civil e penal à LC 135/2010 vem somente deturpar o seu caráter moralizante, embotando-lhe os sentidos, fazendo-lhe perder toda a sua utilidade e objetivos práticos.
Enfim, tão absurda quanto à simples exigência de trânsito em julgado de sentença condenatória, outrora contida na LC 64/1990, é a exigência de que a sentença transitada em julgado ou a decisão judicial colegiada condenatória não tenha seus efeitos suspensos pelos próprios prolatores!
Isso se prova simplesmente perscrutando-se as finalidades existenciais das normas eleitorais, as quais o eminente jurista eleitoralista Djalma Pinto, esclarece com singular maestria:
Leia o artigo completo:



Nenhum comentário :

Postar um comentário

Seu comentário será publicado após a moderação

“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm