“É livre a manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sendo vedado o anonimato. (CF 88).”

domingo, 6 de outubro de 2013

“O povo aqui embaixo, pasmo, sofrendo radiações e impactos. Da bomba que os pulveriza”





“Escolheu, como fazem tantos magistrados, tapar os olhos com a peneira, e escolheu a saída técnica que deu a poderosos condenados a saída técnica que será negada ao ladrão de galos, porque, a ladrão de sabonetes, saída técnica inexiste, a pretos pobres sem Supremo, suprema a injustiça, desembargada, a injustiça que os condena.”


O embargo e seu descaso

Denilson Cardoso de Araújo

Reflexão após o voto do Ministro Celso de Mello, quanto os embargos infringentes no "Mensalão". Quando a técnica esquece a ética.

Dizem os sábios que, a depender de quem a empunha, a lei bem corta pros dois lados. Assim, lâmina de lei precisa de pedra hermenêutica que a amole. Pois se gasta. E juiz, quando empunha a lei e a pedra, deve descer do Olimpo e situar o aço da decisão na realidade do caso e o caso no contexto habitado. Lei deve ser límpida, não pode ser descaso. E decisão de juiz, em sentido estrito, é lei também. Isso lhe é dado. Pois então, precisa, um juiz consciente, de povo que bem o apoquente com a realidade, para que acerte a lei, a pedra, a lâmina. E o lado.
Infringente o embargo, porque contrários votos houve. Não esconde, o concílio de advogados, a esperteza de tentar infringir a decisão com a faca desse embargo. Só pra alcançar a tibieza de um tribunal de absolvições já engravidado, pois quem nomeou os dois que podem mudar o resultado foi justamente quem no banco dos réus se viu sentado! Não duvidemos que todo o que ali foi nomeado, em palácio, previamente, foi bem sabatinado. Antes, houve votos de ministro que pareciam fúrias de advogado de réu desesperado. Pelo poder nomeados, um dia, em prol de quem ocupa o poder, um dia litigaram. Pelo menos dois dos eminentes magistrados. Lewandovsky e Toffoli. Natural que tenham rogado ao governo melhor amparo. No Congresso, esse bicho ajoelhado, sabatina mansa de Senado, sempre leva à toga maior, qualquer que seja o indicado. Seja jurista de conceito, seja magro poste, o apresentado.
Sou miúdo de compreensão para alcançar todas as implicações que pode ter a reversão de um julgado assim. Mas compreendo que, se algo de legítimo houve nas ruas berrantes de junho, insatisfação era seu nome. Saco cheio da revolta do povo esgotado. O Supremo, sem que, a meu ver, a tanto assim tenha se capacitado, surgiu na treva, vela acesa, e reluziu a lâmina da aurora sobre o céu da Mãe Gentil. Imperfeita, a esperança, mas de hombridade a chama, se esperava. Não. O julgamento se reabre. Lamentável. Volta a nós a sensação de, como assim, como é que pode, quem diria... Está aí, redivivo, o monstro, essa hidra, a impunidade.
Pobre Celso de Mello. Pagas de ser decano, experiente. Tinha que decidir como segurar a espada em cuja lâmina rebrilhava o sol. Escolheu, como fazem tantos magistrados, tapar os olhos com a peneira, e escolheu a saída técnica que deu a poderosos condenados a saída técnica que será negada ao ladrão de galos, porque, a ladrão de sabonetes, saída técnica inexiste, a pretos pobres sem Supremo, suprema a injustiça, desembargada, a injustiça que os condena. Celso de Mello levou pela mão o país. E o deixou nos portais do túnel da descrença, essa doença, de matar democracias e perpetuar desigualdades.
Podia ter escolhido, como fazem poucos, corajosos magistrados, abrir os olhos com brio de ver, sim, essa nossa história de fracassos, o povo aviltado, e escolher saída técnica que desse fim definitivo a poderosos condenados. O necessário. Sua mão podia ter sido a que recolhe à grade merecida o condenado. Firmeza melhor teria tal mão, a conduzir o país aos portais azuis da ponte do futuro desejado. Não foi assim. Celso de Mello continuou jurista respeitado na quinta-feira. Seu voto será discutido em seminários. Mas podia, na quinta-feira, ter amanhecido tão jurista respeitado, quanto mais, cidadão iluminado. Excelso de Mello. Não foi assim. Ficou com a opção da esperança que fracassa. Pobre Celso de Mello. Pobres de nós.
Antigamente, o filósofo era cientista, teólogo, jurista, físico, pensador de conhecimentos umbilicalmente interligados. Uns saberes, pelos outros, mediados. A ética, linha de equilíbrio, entre raciocínios tanta vez, adversários. Veio Aristóteles e recortou com sua tesoura os conhecimentos em retalhos. Importante, para que as áreas desmembradas ganhassem perna própria e longe caminhassem. Deu físicos extraordinários, químicos geniais, juristas de renome. Mas a ética desprezou-se para um lado, a ciência vorazmente alargou-se ao rumo contrário. O desencontro deu desculpas ao cientista tolo, que acha pura a ciência que exerce, desinteressada, apartidária, que merece todos os avanços que a pesquisa lhe alcançar. Assim se fazem bombas atômicas. Assim se faz acatamento do oportunista embargo.
Os cientistas que pesquisaram o átomo, esqueceram que havia, observando sobre seus ombros, os senhores do apocalipse, uniformizados. Os juristas que tecem embargos, ora para o desnorteio, ora para o oposto lado, cegos à necessidade de construção de uma ética coletiva, esqueceram de que havia, observando por sobre seus ombros, os senhores da esperteza dos palácios. Em ambos os casos, o povo aqui embaixo, pasmo, sofrendo radiações e impactos. Da bomba que os pulveriza, dos embargos acatados que esfarelam sua esperança já esquálida.

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“É preciso entender que as leis servem apenas para orientar a nossa convivência, como sociedade. Mas nosso comportamento como pessoas depende de nossos valores, do uso de nosso discernimento e da nossa liberdade. Não dependemos de governos, partidos e líderes para sermos honestos e verdadeiros. Os valores morais é que nos mostram o caminho do bem e da verdade, são eles que impedem o ser humano de praticar atos ilícitos. Quando não são importantes na vida das pessoas, não há sistema que impeça um lamaçal de corrupção e de maldades.

Caráter, consciência, amor à verdade e ao próximo, generosidade, fidelidade, responsabilidade, respeito ao alheio, senso de justiça, são essas as virtudes que comandam a vida pública. Abandoná-las é decisão pessoal. Toda culpa é pessoal. Ela é decorrente do mau uso da liberdade. A culpa é tão intransferível quanto as virtudes. Nossa luta é convencer nosso povo a se comportar de acordo com essa visão ética. Por isso devemos sempre querer que os culpados sejam punidos.” (Sandra Cavalcanti, professora e jornalista, foi deputada federal constituinte.- O Estado de S.Paulo)

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-culpados--devem-ser-punidos-,798388,0.htm