“É bem
verdade que muitos políticos condenados foram impedidos de se candidatarem,
porém o número dos barrados na festa da democracia ficou bem aquém do esperado.
O povo, pasmado, não compreendeu o ocorrido e, até agora, parece que ninguém se
lhes dispôs a explicar.”
Ficha Limpa:
era bom demais para ser verdade
Wesley Corrêa Carvalh
1 INTRODUÇÃO
De repente, renasceu a esperança de ver dias melhores na política
brasileira, isso em virtude da decisão de o Supremo Tribunal Federal aplicar a
Lei Complementar (LC) 135/2010, mais conhecida como lei da ficha limpa, nas
eleições municipais de 2012.
A lei da ficha limpa apertou, sensivelmente, o crivo das
inelegibilidades ao considerar inelegível não mais apenas o político condenado
por decisão judicial transitada em julgado, mas também aquele que condenado
fosse por decisão de órgão judicial colegiado. Afinal, chega a ser tão longa a
duração de um processo judicial, no Brasil, que a antiga exigência de sentença
judicial condenatória transitada em julgado soava mais como uma piada de mau
gosto.
E, então, justamente quando o povo mais ansiava por presenciar o
início de uma profunda mudança no cenário político brasileiro, políticos de
ficha suja, às centenas ou milhares, ainda não se sabe, romperam o cerco da lei
complementar 135/2010 e receberam surpreendente deferimento aos seus pedidos de
candidatura.
É bem verdade que muitos políticos condenados, foram impedidos de
se candidatarem, porém o número dos barrados na festa da democracia ficou bem
aquém do esperado. O povo, pasmado, não compreendeu o ocorrido e, até agora,
parece que ninguém se lhes dispôs a explicar. Pior para o judiciário cujos
integrantes têm agora de ouvir os reclamos populares e com eles se resignarem,
pois merecem.
Se explicar o acontecido aos leigos, importa em uma hercúlea
tarefa, aos estudantes e aos observadores do direito, parece um tanto mais
fácil elucidá-lo, não obstante seja ainda mais difícil concebê-lo.
2 “CARTA NA MANGA”: SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA
O legislador, ao redigir o texto da LC 135/2010 que alterou a
redação da LC 64/1990, estabeleceu uma única e exclusiva hipótese em que a
suspensão ou anulação judicial de uma decisão possibilitaria a eleição de
candidato outrora tornado inelegível. Trata-se da hipótese prevista na alínea g
do inciso I do art. 1º da LC 64/1990, que cuida da suspensão dos efeitos ou
anulação de decisão de Câmara Municipal que rejeite as contas relativas ao
exercício de cargos ou funções públicas.
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada
em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a
condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da
pena, pelos crimes:
1.contra a economia popular, a fé pública, a administração
pública e o patrimônio público;
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou
funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato
doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão
competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder
Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos
seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no
inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de
despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
Em todas as demais hipóteses de inelegibilidade previstas na LC
64/1990, alterada, o legislador sequer fez menção à suspensão de efeitos ou
anulação da decisão que torne inelegível candidato.
Ocorre, porém, que já há algum tempo vem sendo sustentado que a suspensão
de efeitos, ou anulação, da decisão judicial que torne candidato inelegível
poderá habilitá-lo a concorrer às eleições, muito embora já declarada sua
inelegibilidade por decisão transitada em julgado ou prolatada por órgão
judiciário colegiado. Como exemplo desse entendimento, convém aqui transcrever:
Continuem lendo em:
A instância superior, a quem compete julgar o recurso contra o
julgado, poderá conceder medida cautelar de suspensão dos efeitos das
inelegibilidades decorrentes da condenação por órgão colegiado por abuso de
poder, pelos crimes especificados na norma, por improbidade administrativa e
por corrupção eleitoral – hipóteses previstas nas alíneas “d”, “e”, “h”, “j”,
“l” e “n” do inciso I do art. 1º, da Lei das Inelegibilidades. Consoante
exigido a qualquer tutela de emergência, necessária a exigência da
plausibilidade da pretensão jurídica, pois o risco de dano irreparável sempre
se encontra presente ante a natureza dos bens envolvidos, diretamente
relacionados com a democracia e a expressão da vontade popular. A medida
cautelar de concessão de efeito suspensivo deve ser requerida na petição
recursal, sob pena de se operar a preclusão. Nada impede, porém, que a parte
interessada interponha ação cautelar incidental diretamente no tribunal ad
quem, sempre que aberta a instância superior, ou seja, quando dado seguimento
ao recurso. Como sabido, antes da admissibilidade do recurso ser admitida pelo
presidente do tribunal recorrido, compete a este a apreciação de medidas
cautelares.
No que tange à anulação de decisão já transitada em julgado ou
proferida por órgão colegiado, não há quaisquer óbices a se levantar, pois que
tal desígnio somente pode ser levado a efeito por decisão de órgão colegiado,
em acórdão, devidamente fundamentado, e que reconheça a nulidade da decisão que
resultou na inelegibilidade do candidato. Afinal, o que é nulo não produz
quaisquer efeitos e é quase como se nunca houvesse existido.
Contudo, concernente à suspensão dos efeitos da decisão que
acarrete inelegibilidade, convém aqui fazer algumas oposições, as quais serão a
seguir expostas de forma pormenorizada.
Primeiro, que, em muitos desses casos, uma decisão monocrática
acaba por inutilizar uma decisão colegiada. Afinal, o que importa em um maior
grau de segurança jurídica? Uma decisão singular ou uma decisão colegiada?
Evidente que a decisão colegiada melhor representa um julgamento justo. Tanto é
que, no desejo de apertar o crivo na escolha dos representantes do povo, buscou
o legislador federal adotar um segundo critério, idôneo, que se prestasse a
complementar o critério do trânsito em julgado na aferição da elegibilidade dos
candidatos. E o critério escolhido? Adivinhe qual foi: decisão colegiada.
Segundo, porque, se o legislador desejasse estabelecer exceção às
regras de inelegibilidade estabelecidas na LC 64/1990, ele mesmo o teria feito,
eivando cada um dos incisos e suas respectivas alíneas da referida lei com a
mesma previsão de suspensão ou anulação contida na alínea g, que trata da
rejeição da prestação de contas. Definitivamente, essa não foi a vontade do
legislador! Com base em que se afirma tal coisa? Basta lembrar que a LC
135/2010 foi um projeto de lei de iniciativa popular.
Em terceiro lugar, a legislação que possibilita a suspensão dos
efeitos de sentença transitada em julgado ou de decisão judicial colegiada é a
legislação processual civil, que, em matéria de direito eleitoral, somente pode
ter aplicação subsidiária.
Portanto, se a LC 64/1990, alterada pela LC 135/2010, está a fixar
a inexistência de sentença transitada em julgado ou de decisão judicial
colegiada como condição de elegibilidade, não pode a legislação processual
civil, meramente supletiva, negar-lhe aplicação e eficácia.
Ou seja, a LC 64/1990, norma de cunho eminentemente eleitoral,
estabelece a inexistência de sentença transitada em julgado e de decisão
judicial colegiada condenatória como condições de elegibilidade do candidato; e
uma vez infringidas essas determinações, indiferente se mostra para a aferição
de elegibilidade de candidato, se tais julgados tiveram ou não seus efeitos
suspensos nos juízos cível ou criminal, ambos regidos por normas das quais o
direito eleitoral se vale apenas subsidiária e supletivamente. A lei eleitoral
não estabelece qualquer ressalva e não as permite estabelecer.
Por esse mesmo motivo, o efeito suspensivo atribuído ao Recurso
contra a Diplomação está previsto no art. 216 do Código Eleitoral, não
simplesmente calcado em legislação processual civil. Uma coisa é justificar a
interposição, o conhecimento e o provimento de embargos de declaração (os quais
não têm nenhuma previsão na legislação eleitoral) pelo uso de normas
processuais, outra, completamente diferente, é forjar dessa legislação
subsidiária uma conclusão que põe em risco a eficácia da própria norma de
direito material.
Destarte, essa sobreposição de normas de direito processual civil
e penal à LC 135/2010 vem somente deturpar o seu caráter moralizante,
embotando-lhe os sentidos, fazendo-lhe perder toda a sua utilidade e objetivos
práticos.
Enfim, tão absurda quanto à simples exigência de trânsito em
julgado de sentença condenatória, outrora contida na LC 64/1990, é a exigência
de que a sentença transitada em julgado ou a decisão judicial colegiada
condenatória não tenha seus efeitos suspensos pelos próprios prolatores!
Isso se prova simplesmente perscrutando-se as finalidades
existenciais das normas eleitorais, as quais o eminente jurista eleitoralista
Djalma Pinto, esclarece com singular maestria:
Leia o
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